quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O carro que não podia ser - Syrena Sport

Existe a ideia que tudo o que eram automóveis da Cortina-de-Ferro tinham de ser versões alteradas de Fiat italianos ou verdadeiros "monos" de linhas rectas, cores pastel, com carroçarias feitas em contraplacado ou design com vinte anos - ou mais - de atraso em relação aos standards da indústria automóvel ocidental e asiática. Nem sempre é verdade...

Syrena Sport. Reconstrução virtual do protótipo original apresentado em 1960.

A culpa não foi da falta de capacidade ou imaginação dos engenheiros russos, polacos, checos, romenos e outros dos países-satélite da URSS. A culpa foi mesmo do comunismo e da mentalidade de "comuna" que grassou na Europa Central e de Leste depois do termino da II Grande Guerra. Se bem que considerada por muitos como ofensiva a expressão Cortina-de-Ferro serve como uma luva para um tempo em que o automóvel era considerado um bem de luxo enquanto no resto do mundo, especialmente nos EUA, o mesmo era parte do estilo de vida.
Enquanto que na Europa, desolada pela guerra, se motorizavam famílias com Citroen 2CV, Austin Minor e Fiat 500 na América, a partir de 1955, já se considerava a direcção assistida como algo indispensável. Do mesmo modo o cinema drive-in e os primeiros McDonald's estavam ligados ao automóvel.

A partir da RDA entrava-se noutro mundo. Uma redoma de vidro ou uma bola-de-neve onde tudo era feito da melhor maneira possível. Fora dali, desse microcosmos soviético, estavam entregues a si mesmos, ao imperialismo, ao capitalismo e aos chavões da linguagem dos comunistas. O comunismo era mais do que um ideal, era um projecto crescente onde a supressão de informação servia de fermento para o levedar de um bolo que, no fim, ninguém comeu.

O automóvel polaco sofreu as consequências da bipolaridade do mundo. Não podia ser demasiado sofisticado nem poderia desagradar aos aparatchi do sistema. Desse modo o primeiro automóvel realmente polaco teve o nome de Syrena (Sereia), como aquela que encontramos nas armas da cidade de Varsóvia.

Na falta de verba e dentro daquilo que era permitido pelo zeitgeist aparece o primeiro FSM Syrena no ano de 1957. A marca FSM significa Fábrica de Automóveis de Baixa-Cilindrada e diz bastante sobre aquilo que era o conceito de produção de automóveis para particulares. O Syrena motorizou a Polónia socialista, foi o primeiro carro de imensas famílias e ficou imortalizado no cinema. Num mundo onde as bicicletas imperavam o pequeno Syrena foi a grande alegria de muitos. Um pequeno carro cheio de boas ideias. Tinha um motor a dois tempos, como um moto-cultivador, três cilindros (como agora é moda nos compactos) e tracção dianteira (o Mini só nos finais dos anos 50 massificou esse tipo de transmissão) o que permitia um aumento significativo do espaço para os passageiros. Chão revestido em borracha e volante em baquelite perfeitamente horizontal a par com dois enormes mostradores centrais Paliwo (combustível) e Woda (água) eram algumas das idiossincrasias do modelo polaco fabricado em Varsóvia.

Entretanto um dos legendários designers polacos, Cezary Nawrot, preparava um dos mais icónicos protótipos elaborados pela FSM, o Syrena Sport. Um pequeno roadster com uma carroçaria desportiva, típica da época e com um estilo que ficou popularizado por modelos ingleses como o Triumph Herald ou o Austin Healey Frogeye.

Quando o protótipo foi apresentado ao público, em 1960, as reações foram muito positivas. O Syrena Sport era um carro completamente diferente daquilo que circulava nas ruas e que estava disponível, em longas listas de espera, para o comum cidadão. A carroçaria em fibra-de-vidro, uma inovação para a época, estava pintada em vermelho e as rodas enfeitadas com embelezadores cromados. O motor passava a ter quatro cilindros ao contrário da versão sedan que tinha três e funcionava ruidosamente a dois tempos. A imprensa internacional especializada comentou a excentricidade vinda de um país do bloco soviético. Esta recepção dos entusiastas foi prontamente resfriada por o governo que não via com bons olhos a produção em massa de um desportivo num país socialista. Consta que um dos líderes na cúpula do sistema terá comentado que o que realmente importava era haver uma bicicleta para cada polaco e desse modo as ordens para cancelar o projecto do Syrena Sport. Levado para um recanto no armazém da FSO e apenas com 29.000 km o Sport ficou empoeirado e seria totalmente desmanchado em 1970.

Esta decisão intempestiva foi, até há alguns meses atrás, uma pedra no sapato dos fãs daquilo que denominam de Polski Motoryzacji ou automóveis polacos. Restaram apenas velhas fotografias a preto e branco e material do projecto que estava devidamente conservado no museu do transporte em Varsóvia. Com a evolução da tecnologia, sobretudo com o avanço de programas de imagem e design o Syrena Sport foi reconstituído virtualmente de um modo formidável enquanto que outro entusiasta de Syrenas de nome Mirek Mazur em Lublin reconstroi fisicamente uma réplica do Sport.

 Em breve aquilo que foi desfeito há 40 anos atrás vai ver a luz do dia e desse modo as escuras nuvens comunistas, que assombravam a história do automóvel polaco vão desaparecer. Afinal o Syrena Sport vai regressar às estradas polacas numa Polónia radicalmente diferente, transformada e onde um pequeno desportivo de dois lugares não ofende ninguém.





1 comentário:

Anónimo disse...

Olá Ricardo:-)

Sempre apaixonado por carros...Muitos Parabéns nesta data que te é tão especial!!

Beijo grande e abraço forte,
FP