Política feroz, que sempre armada
De bárbaros pretextos,
À morte horrenda em lúgubre teatro
Dás vítimas sem conto,
Apoucas e destróis a Humanidade,
Afectando mantê-la.
No post do ano passado estávamos a saír de dois longos anos de pandemia (e pandemónio) com esperança num "regresso à normalidade" no ano de 2022.
Vislumbravam-se no horizonte nuvens escuras de tormenta vindas da Rússia e da Bielorrússia. Concentravam-se tropas da Federação Russa na fronteira Leste da Ucrânia e a crise de refugiados, na fronteira da Polónia com a Bielorrússia, esteve perto de se tornar numa escaramuça. Enquanto isso a União Europeia ponderava aprovar (finalmente) a abertura do gasoduto russo Nordstream 2 no Mar Báltico - essencial ao fornecimento de gás a países como a Alemanha, a Áustria, Benelux e a Itália.
A Polónia e os países bálticos, conhecedores do modus operandi da Rússia em questões de dependência energética, haviam avisado repetidamente que era um mau princípio e iria, mais cedo ou mais tarde, fazer ricochete. Os poderes em Bruxelas e Berlim faziam orelhas moucas deixando os negócios com o gigante russo Gazprom to fly under the radar (voar por debaixo do radar - usando uma expressão norte-americana). O motorista tinha colocado um tijolo no acelerador e saltado da cabine enquanto o camião, desgovernado, seguia em direção a um precipício...
A 24 de Fevereiro dá-se a dita "operação especial" de Putin para "desnazificar" a Ucrânia com o intuito de proteger a comunidade russa das regiões de Donetsk e Dombas. Uma história vil que já todos sabemos e acompanhámos; provocadora de clivagens, inimizades e corte de relações em alguns casos.
Na altura não tive ensejo de escrever neste blogue acerca da invasão da Federação Russa à Ucrânia. Não tive alento para contar e recontar a barbaridade que ocorria a pouco mais de mil quilómetros da cidade de Łódź. Família e amigos em Portugal e no Brasil preocuparam-se; contataram por telefone, pelas redes sociais perguntando como estávamos e até sugerindo que talvez fosse melhor abalar estrada fora em direcção à Península Ibérica. Ficámos por aqui, atentos aos acontecimentos mas sem temor, fazendo a vida normalmente, sem a trela e a mordaça em pano das restrições do Covid19.
A pandemia amainava mas deixou sequelas e também tocou a família próxima polaca. Em Janeiro, com a neve a cobrir a Polónia, os dias curtos e sombrios e as temperaturas sempre baixas vimos partir a avó dos meus filhos, mãe e sogra, levada por essa maldita estirpe de gripe que foi implacável em alguém já debilitado pela avançada idade.
Viu ao longo dos seus 86 anos de vida este país a ser invadido em duas frentes era ainda uma criança. Passou décadas num regime socialista-comunista, pró-soviético que a bem ou a mal reergueu a Polónia da devastação da Segunda Grande Guerra. Rejubilou com o nascimento da filha e dos seus netos e, como a maior parte dos idosos polacos, tinha devoção pelo Papa João Paulo II, a Nossa Senhora e uma fé inabalável na Igreja Católica. Atravessou dois séculos que trouxeram mudanças profundas na sociedade polaca. Pessoas assim, quando partem, são também pedaços de História que se perdem para sempre. Reti algumas dessas histórias na memória, fruto de curiosidade em entender o que foi viver sob o jugo de um regime fascista e posteriormente um regime totalitário mas também como parte da aprendizagem do idioma polaco já que com ela não havia o conforto do inglês ou até do francês - o que até foi algo bom na realidade. Que descanse em paz e obrigado por tudo o que nos deu.
E sem que se desse por isso, a Primavera chegou e é talvez um dos melhores momentos para apreciar nestas latitudes. Do frio, neve e gelo e dos tais dias curtos e sombrios passamos a uma explosão de verde com dias amenos intercalados de início com chuva, manhãs e noites gélidas com tardes afáveis, o cantar dos pássaros e o regresso dos patos, das andorinhas, das cegonhas e tantas outras aves migratórias enquanto os corvos se retiram rapidamente e repentinamente como que ofendidos pelo esplendor apenas para voltarem, de vingança, em finais de Setembro crocitando em desdém nas manhãs frias de Outubro.
Esta Primavera foi diferente contudo. A invasão da Ucrânia em Fevereiro trouxe milhões de ucranianos à Polónia. Uns ficaram, outros foram para outras paragens, outros ainda regressaram. Ouvia-se frequentemente ucraniano e russo nas ruas. As escolas receberam crianças e adolescentes ucranianos, muitos deles separados dos pais ou órfãos. Campanhas de apoio aos refugiados, alojamento e emprego eram o prato do dia. Histórias de horror (muitas inenarráveis) foram contadas na primeira pessoa. Famílias separadas, desfeitas, sonhos, ambições e vidas que de um momento para o outro passaram a ser outras que, uns meses antes, ninguém imaginaria como viriam a terminar e a mudar mas também uma demonstração de coragem enorme senão gigantesca de um povo; uma determinação de não arredar pé da independência e lutar até ao fim seja de que modo for - em combate, em ajuda humanitária, militar, financeira, logística. No processo aprendemos ucraniano também; Slava Ukraini!
A comunidade portuguesa na Polónia manteve-se e mantém-se serena enquanto a guerra ruge aqui ao lado; mesmo quando um míssil-antimíssil desavindo caiu em território polaco tirando a vida a dois malogrados agricultores numa terreola a Sul do território. Foi um momento de tensão em que o cenário que muitos receiam poderia tornar-se realidade, uma guerra total entre a NATO e a Federação Russa. É a Espada de Damocles todos os dias. Putin já jogou todas as cartas que tinha, já ameaçou o Ocidente com o uso das armas nucleares que fazem da Rússia um poderio bélico. Todos sabemos que agora só há o caminho da paz ou o da destruição total já que as ameaças se não forem cumpridas tornam-se apenas retórica.
Inflacja
Como consequência previsível da guerra na Ucrânia a inflação rapidamente chegou. Reflete-se em tudo. Nos bens alimentares, no combustível, na habitação e custos associados. As rendas da habitação passaram a valores absurdos especialmente nos grandes centros urbanos em grande parte devido à especulação e oportunismo com a vaga de refugiados - muitos deles entretanto regressaram ou foram para outros países - e com a quase incessante procura nos primeiros meses do ano.
O conflito trouxe contudo lições e mudanças no poder dos países. A UE e sobretudo a Alemanha ficaram a saber que depender energeticamente da Rússia é catastrófico e países como a Polónia, Roménia e os Estados Bálticos são agora vistos como primordiais na defesa e estanquicidade das fronteiras da NATO e da UE a Leste do continente. O Eixo - Alemanha, França, Reino Unido foi profundamente abalado com o Brexit e com a guerra na Ucrânia. O dito "Leste" europeu não pode ser visto apenas como uma amálgama de países que outrora foram países-satélite da URSS mas sim como parte essencial para a estabilidade do velho continente.
Vimos em 2022 partir figuras de craveira do século XX como a Rainha Isabel II e mais recentemente Pelé e tantas outras celebridades como Jô Soares e a cantora Linda de Suza conhecida pela famosa Mala de Cartão e o "salto" para França, fugindo das agruras de um Portugal em ditadura. A vida tem destas coisas, na altura vi o filme biográfico sem imaginar que, também eu, seria um emigrante ainda que em circunstâncias completamente díspares.
Tenhamos esperança num 2023 em que o bom senso e a paz sejam obtidos finalmente. Um bom ano para todos!
A guerra total não é mais a guerra travada por todos os membros de uma comunidade nacional contra os membros de outra. É total... Porque pode muito bem envolver o mundo inteiro.
Jean-Paul Sartre
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