quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Caleidoscópio - Polónia 2017




O Natal está aí à porta e com ele aproxima-se a passos largos o fim de mais um ano, e que ano este! Quer a nível mundial quer para a Polónia e para Portugal. 

Caminhamos em 2017 para um mundo instável e um potencial conflito na Coreia do Norte - com consequências imprevisíveis - terrorismo galopante e sem fim à vista, os EUA a fazerem marcha-atrás em assuntos prementes como o ambiente e o aquecimento global, a visível ascensão de ideais e partidos de extrema-direita em países onde, até então, reinava o politicamente correcto e a "estratégia da paciência" e recentemente a aceitação da administração Trump em reconhecer Jerusalém como a capital (de facto) de Israel, tudo indica que tempos de mudança aproximam-se e a próxima década será inevitalmente distinta dos "anos 10"...

Portugal passou um ano muito complicado, duro, especialmente durante o Verão com o inenarrável cenário dos incêndios que, desta vez, causaram um rasto de destruição e de morte (mais de uma centena de vítimas mortais - como é possível) como nunca se viu em tempos modernos incluindo algo inimaginável como o desaparecimento total do histórico Pinhal de Leiria. A recuperação económica no entanto parece surgir entre sinais das agências de rating terem retirado Portugal da "zona lixo", diminuição do desemprego e emigração e no sector do turismo - ainda que com impacte nas populações residentes - temos resultados impressionantes, Portugal parece estar na moda e que o diga Madonna que agora vive também em Portugal, cavalgando qual Cowboy, nas praias da Península de Tróia (ó saudade!), no Alentejo e de lambreta pelas vielas e ruas do Bairro Alto.

A Polónia vive igualmente tempos agitados e de incerteza. O partido de Jarosław Kaczyński, Prawo i Sprawiedliwość (PiS) no poder, com maioria absoluta, desde 2015, parece estar de pedra-e-cal perante uma oposição audível mas ainda sem músculo (ou uma alternativa credível) para o braço-de-ferro com os conservadores que parecem continuar na preferência de uma importante parte da população para as eleições legislativas em 2018.


Beata Szydło, a Primeiro-Ministro conhecida por ter retirado a bandeira da União Europeia da sala de Conferência de Imprensa e substituído um velho relógio por a cruz de Cristo, além de uma série de acidentes de viação - um deles uma colisão com um pequeno Fiat Seicento causando inúmeros comentários e memes jocosos na Internet polaca - foi recentemente substituída por Mateusz Morawiecki até então Deputado e Ministro do Desenvolvimento e Finanças do executivo de Szydło. 

Mateusz Morawiecki o novo Primeiro-Ministro da Polónia

Morawiecki é  um homem de finanças, um cérebro analítico e numérico e ao contrário de Szydło, que apenas fala polaco, o novo Primeiro-Ministro é fluente em inglês e alemão. Foi o responsável pela implementação do Plano 500+ ou subsídio de criança para todas as famílias polacas com mais de um filho e antes da sua caminhada política com o PiS foi Presidente do Bank Zachodni WBK. O seu curriculum e carreira profissional é mais impressionante do que o do seu predecessor mas parece não ser permeável às críticas da oposição especialmente depois de uma tirada sobre os seus objectivos...

[..]re-Cristianizar a Europa, esse é o meu sonho, porque em muitos lugares já não se ouvem canções de Natal, as igrejas estão vazias, transformadas em museus. Isso é lamentável.[..]

A sua ascendência judaica (duas das suas tias eram judias e uma foi mesmo sobrevivente dos campos de concentração) causou, nos círculos das "teorias da conspiração" alguns rumores ainda que, na Polónia, ninguém pode estar certo de não ter sangue judeu tal como qualquer português sabe - ou deveria saber - que um dos resultados do Império Colonial foi a miscigenação dos portugueses com outras raças alterando para sempre o nosso povo e identidade cultural.

Este jogo de cadeiras está a ser visto como apenas isso, um jogo de cadeiras...
O Cardeal de Richelieu, a Eminência Parda, Jarosław Kaczyński, continua a manipular os cordéis dos seus elegidos enquanto lê  ("à boca podre" como se diz em Portugal) livros sobre gatos nas sessões do Sejm ou Parlamento...

Sim, leu bem. Kaczyński leu o "Atlas dos Gatos. Selvagens e Domésticos" em plena sessão parlamentar o que foi prontamente justificado, pela porta-voz do governo, como uma leitura importante e fonte de inspiração para a adoção de animais. Kaczyński, um conhecido "cat-lover", diz-se, adoptou vários gatos vadios, ficando um deles conhecido em fotografia durante os recentes protestos contra as mudanças no poder judicial polaco. 


O Dia da Independência (11 Novembro) e a marcha dos patriotas

Uma marcha que certamente impressionou numa Europa que pretende agradar a Gregos e a Troianos naquilo que se designa por politicamente correcto. A Polónia rejeita esta abordagem e demonstrou-o no dia 11 de Novembro.


No passado dia 11 de Novembro, o dia da Independência após 123 anos - cento e vinte e três - de inexistência da Polónia como país, ocupada e dividida pelo império alemão, austríaco e russo desde o século XVIII, a marcha patriota em Varsóvia foi amplamente noticiada pelos media como uma galopante ascensão da extrema-direita na Polónia e na Europa.

Mas terá sido mesmo assim? Este feriado tem inúmeras razões para ser festejado, não apenas pelo simples facto de ser uma celebração de independência depois de mais de um século de ocupação e tirania das forças ocupantes mas também como recordação dos tempos em que o mesmo foi proibido e banido durante e após a Segunda Grande Guerra.
Afinal o Grande Irmão Soviético não iria compactuar com celebrações que envolvem a Rússia oprimindo outros povos, para a URSS e para o sistema socialista-comunista que vigorou até 1989 e seus esbirros pró-Moscovo este assunto era, como tantos outros, tabu.

Desde a ascensão do PiS ao poder que se tem verificado um crescente ênfase no sentimento patriota e nacionalista. A nível do sistema educativo as directrizes são claras, mais exigência em História e Língua Polaca (como encarregado de educação verifico isto) para as novas gerações.

A postura anti-UE, anti-Rússia, anti-Emigração, anti-Islão, pró-América, Cristã, Católica Apostólica Romana e quase "orgulhosamente sós" do PiS não tardou a servir como fonte de ignição para a extrema-direita e para os já existentes, mas na sombra, partidos nacionalistas polacos que até então não se identificavam com o SLD e o PO de Donald Tusk e de todos os predecessores. Aumentam os ataques racistas - mais adiante descrevo o meu - e os patriotas que a título de defenderem os valores cristãos europeus manifestamente se mostram tudo menos politicamente correctos. Eles não querem saber do politicamente correcto para nada, desprezam-no, odeiam-no e querem vê-lo no chão, estendido. 

Quem não está do seu lado da barricada não é  bom polaco (como disse Kaczyński) é  um peão da UE, da Esquerda, dos Liberais, dos gays. dos "comunas" e até do Islão que, no seu ponto de vista, estão a invadir a Europa. Nesta onda de paranóia quem não se assemelha ao tipico genótipo e fenótipo local pode ser confundido com o "inimigo" com o invasor. E desengane-se quem pensa que isto só acontece a estrangeiros, mesmo polacos com pele e olhos mais escuros ou com descendência estrangeira ja ouvirem comentários desprezíveis do tipo "volta para casa", "Ahmed!" e "o que estás a fazer na Polónia".

Em Łódź por exemplo registaram-se ataques de carácter racista a duas mulheres argelinas com véu islâmico (pontapeadas num autocarro), um indiano espancado no eléctrico sem que a polícia o ajudasse, dois alemães e um polaco espancados à porta de um clube por falarem em alemão, um cidadão chinês esmurrado no autocarro, um restaurante de Kebab vandalizado e o proprietário espancado e de acordo com os relatos de colegas de trabalho africanos comentários muito racistas e até empurrões na rua, em plena luz do dia. Tudo isto daria um tópico per se...

Recentemente, ao fim de treze anos na Polónia, tocou-me um incidente racista, ainda que envolva um homem alcoolizado (notório pelo cheiro a alcool que emanava quando falava). Estavamos em Setembro, fazia compras rotineiras  num conhecido franchising de lojas de artigos de higiene e beleza presente na Polónia, as lojas Rossmann, quando reparei num indivíduo relativamente alto, cabelos claros e olhos azuis que me fitava. Pensei que fosse alguem que conheço de um emprego prévio, de uma loja ou da vizinhança quando, de repente, perguntou-me se eu tinha comigo bombas... Como não entendi a absurda questão perguntei-lhe o que queria ao que me respondeu; - Deves ser árabe, tens aspecto de árabe, tens bombas? Isto levou a uma troca amarga de palavras onde ficou a saber que sou português indicando-lhe onde podia colocar a bomba e que mesmo se fosse árabe não era problema dele...
O individuo tornou-se repentinamente apologético, claramente envergonhado e tentou explicar que pelo facto de ter olhos escuros me confundiu e que até trabalhou em tempos com portugueses e espanhóis e são boa gente... A discussão terá tomado proporções mais sérias pois entretanto um casal polaco pediu satisfações ao homem pela atitude degradante. 

Como em tudo na vida há a um tempo para tudo e esta experiência (amarga) levou-me a pensar que realmente se começa a sentir uma certa histeria, alimentada por a poderosa máquina de propaganda do PiS (o canal estatal TVP - jocasamente apelidado de TVPiS) e os canais de rádio e televisão aliados dos conservadores, o canal TRWAM, Radio Marija e as revistas WPROST e do Rzeczy.

Os partidos de direita conservadores, patrióticos como o ONR, Restauração Nacional da Polónia ou NOP Narodowe Odrodzenie Polski estiveram presentes na marcha de 11 de Novembro e fizeram-se ouvir e ver. Não foram banidos ou proibidos de participar apesar dos protestos da Esquerda e da destemida comunidade LGBT que apresentou-se numa contra-manifestação tida como a maior de sempre...

Patriotas mascarados marcham nas ruas de Varsóvia no 11 de Novembro, o Dia da Independência.


Os ultra-nacionalistas pretendiam intimar... Estavam mascarados com lenços que os faziam parecer caveiras, outros com passa-montanhas, empunhavam a bandeira branca e vermelha queimando fogos que emanavam fumo vermelho e branco. Os canticos nacionalistas, frases claramente racistas e outros relacionados com a História dos Cruzados preocupou judeus e muçulmanos. Slogans como "Polónia branca, Polónia pura" e "A Europa terá de ser branca ou inabitada" foram alvo de críticas mas também de complacência por os partidos de direita nacionalistas e conservadores que viram a marcha tão só e apenas como uma bela celebração de patriotismo polaco...

A questão é que os polacos são, regra geral, patriotas. Sabem o que lhes custou a liberdade e a independência. Foi ganha com luta, morte, sangue e sofrimento. Perderam o país e recuperaram-no tal como a sua identidade. Não se espere portanto que não se celebre este dia em particular com alarido e formalidade (o povo polaco é particularmente formal e de arraigadas tradições), e note-se que se esta marcha foi notória e mediática outras houve que sem a cobertura dos media, sem lenços com caveira e slogans também acontecem por toda a Polónia mas não serão mostradas ou discutidas como esta porque os media noticiam sobretudo o que choca e chama a atenção e nesse aspeto tornaram a marcha num verdadeiro sucesso...


O fantástico Parque Nacional de Białowieza e o grave problema ambiental na Polónia


Um tesouro na Polónia, o Parque Nacional de Bialowieża.

A Polónia é  um dos países mais poluídos da União Europeia, é um facto incontornável ainda que relegado para segundo plano pela imprensa estatal que o considera como exagero dos media de Esquerda e estrangeiros ou como interferência da UE em assuntos soberanos da Polónia. 
Muitos polacos não querem mesmo saber do impacto ambiental da queima do carvão por centrais hidroelétricas e a nível doméstico pois não há uma alternativa económica para enfrentar o frio a partir Outubro até Março (por vezes Abril e Maio) sem a queima de carvão ou lenha (por vezes lixo). 

A maior parte dos blocos de apartamentos nas grandes cidades e centros urbanos são aquecidos por um sistema de água quente que circula desde as centrais (denominadas de Elektrociepłowia) queimando carvão (ou carvão e biomassa ou gás) para aquecerem gigantescas caldeiras de água que, ao evaporar, é levada em elevada pressão através de tubagens que por sua vez fazem girar turbinas fornecendo milhares de volts de electricidade. O vapor resultante é  canalizado para o aquecimento central doméstico, os conhecidos kalorifer, ou aquecedores. Esta indústria é omnipresente na Polónia e cada uma destas centrais queima milhares de toneladas de carvão anualmente com o pico nos meses gélidos.

Esquematicamente o problema reside quer na falta de alternativa económica imediata - ainda que se aventa a possibilidade de energia nuclear - no poderoso lobby do carvão (Minas de carvão estatais na Silésia e Sindicatos que grosso modo representam mais de um milhão de votantes) e obviamente falta de vontade política (pelas razões mencionadas) num país que depende desta fonte energética para mover a sua economia já que 80% provém da queima deste mineral.

O smog de Cracóvia, um problema premente na cidade do "Dragão de Wawel".


Cracóvia e as regiões de Opole, Silésia e Pequena-Polónia (Małopolskie) a par com as grandes cidades e a capital Varsóvia - sofrem niveis alarmantes de poluição chegando por vezes a igualar Pequim e Nova-Deli quando a falta de vento permite que no vale da região de Cracóvia o smog não disperse. Muitos compatriotas residentes nesta popular cidade polaca confirmam a falta de qualidade do ar que ali se respira quando, no pico do Inverno, milhares de lares e as centrais a carvão literalmente "vomitam" gases nocivos para a atmosfera. Não se prevêem a médio-prazo alterações significativas nesta indústria e de acordo com Michal Herman o CEO da PG Silesia a Polónia continuará dependente desta fonte de energia pelos próximos 15 anos...

Jóia da Coroa da Polónia (como foi em tempos o nosso Pinhal de Leiria e ainda é o Gerês) com um significante significado histórico e valor ambiental (considerado como Reserva Biosférica pela UNCESCO) o Parque Nacional de Białowieża (Białowieski Park Narodowy) com uma superfície de mais de 100 mil metros quadrados e adjacente à Bielorrússia está em risco desde a ascensão do PiS ao poder. 

O Governo reitera que a permissão para o corte de madeira na àrea florestal protegida do Parque Nacional é parte de um plano para debelar uma praga, um escaravelho (Ips Typographus) que destrói abetos e que só com o corte substancial de certas áreas da reserva se poderá debelar...

Białowieża não foi considerado à toa como reserva biosférica pela UNESCO. É considerado como o ultimo reduto da extinta floresta europeia (basicamente o que era a Europa antes da agricultura massiva) e um local magnífico - alguns dizem mágico - onde se encontra o bisonte europeu e centenas de outras espécies (mamíferos, aves e insectos) como lobos, raposas, linces, texugos, veados, alces, esquilos, castores, coelhos, lebres, corujas, a águia prateada e dourada, cegonhas, corvos, patos, pica-pau, gansos etc...

O Greenpeace e inúmeras associações ambientalistas estrangeiras e na Polónia protestam veementemente contra esta decisão do governo alegando que se verificam irregularidades na gerência e supervisão dos madeireiros. A situação escalou de tal modo que chegou ao Tribunal de Justiça Europeu e a sentença foi clara; ou a Polónia pára com o corte florestal ou arrisca-se a ter de pagar uma multa diária de 100.000 €. O governo protesta, acusa, mais uma vez, a UE de interferência com decisões internas da Polónia, justifica com estudos científicos (estatais) que provam a necessidade de cortar árvores para debalar a praga do escaravelho dos abetos. Organizações ecologistas entendem que tudo isto faz parte do equilibrio biológico, dos ciclos da natureza.

A luta entre conservar o Parque Nacional pela exploração madeireira controlada - versão governamental - e a não-interferência - versao ambientalista - mantém-se e avizinha-se difícil nos próximos tempos tal como outras lutas numa Polónia que parece seguir os passos do Húngaro Viktor Urban.







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