domingo, 13 de julho de 2014

Será a Polónia uma nação dividida?


Não há quem seja mais critico com a Polónia e com os polacos do que eles próprios. Ao longo de onze anos de vida neste país não me recordo de vez alguma em que, ao tecer um elogio à Polónia ou aos polacos, quando em conversa com um nativo, não venha uma resposta com alguma negatividade ou critica mais ou menos contundente. Do mesmo modo se criticarmos a Polónia e os polacos com um nativo podemos ter dois tipos de reacção; ficarem algo ressentidos connosco ou baterem ainda mais no ceguinho... 

Há uns anos atrás neste blogue escrevia sobre o facto dos polacos serem ou muito simpáticos e prestáveis ou de uma antipatia a roçar o rude. Bem... ainda não mudei de opinião volvidos estes anos todos e duvido que venha a mudar se bem que, confesso, não me fazer espécie a antipatia nos polacos enquanto houverem polacas simpáticas e bonitas com quem conviver e privar... 

Vem isto a propósito de um artigo do The Economist intitulado "Poland's second golden age. Europe's unlikely star" (A segunda era dourada da Polónia. A improvável estrela da Europa) no qual, com recurso, à frieza dos números e das estatísticas se conclui que a Polónia tem uma economia crescente e estável em contraste com a maioria daquelas na UE e dos antigos países do Bloco de Leste. Explicações para este fenómeno vão desde as reformas feitas logo em 1989 passando pela rápida adopção de uma economia de mercado agressiva a recursos como mão-de-obra qualificada e salários baixos. 



Quem parece não gostar desta "novidade" são alguns polacos - e descendentes de polacos - com acesso a um computador que comentam a o artigo como propaganda politica, mentira descarada, tendencioso, ridículo entre outras observações. 
Como pode a Polónia prosperar, comentam, quando mais de dois milhões polacos emigraram desde a abertura das fronteiras, quando 50% dos engenheiros recém-formados emigram e existe miséria e desemprego? Dizem que a outrora gigantesca industria polaca desapareceu, que não há nenhuma empresa polaca com projecção no estrangeiro e que tal como a Federação Russa estão a tornar-se um país de oligarcas ou de corruptos como os italianos. São uma colónia...





Nos Estados Unidos da América estima-se que cerca de 3% da sua população seja polaca, descendentes de polacos ou com sangue polaco. Emigraram antes, durante e depois das grandes guerras que marcaram o passado século, muitos eram polaco-judeus. Não é incomum o nome Kowalski (os americanos dizem Kou-alski) e muitos deles são conhecidas celebridades como o cientista e estadista Zbigniew Brzeziński, um dos fundadores da Apple Computers Steve Wósniak, e conhecidos de Hollywood como Nicolas Cage, Steve Carrel, Scarlett Johansson (ah!) mas também realizadores de cinema como Stanley Kubrick, Roman Polański, os fundadores da Warner (afinal é Varner que se diz?) e inúmeros na música como por exemplo Axl Rose e Marylin Manson. Uma consulta no Wikipedia é bastante esclarecedora da sua presença no mundo. 

Algumas celebridades com origem polaca. Charles Bronson, Peter Falk (o Detective Colombo), Jennifer Conelly, Paul Newman e Scarlett Johansson.
Tal como os portugueses os polacos são uma nação de emigrantes que partiram na esperança de começaram uma vida nova longe dos problemas - aparentemente imutáveis - no seu país de origem. Os polacos quando longe das suas imensas pradarias e campos, lagos e rios simbólicos da sua História como o Oder e o Warta, longe das montanhas Tatra e do Báltico exaltam sentimentos patrióticos e de nostalgia para com o seu país sem esquecerem que nem tudo são rosas e um regresso é algo pouco provável quando se obtém um certo nível de vida no estrangeiro mesmo que seja às custas de muito trabalho, por vezes duro e pesado, ou, como uma boa parte daqueles no Reino Unido, às custas de subterfúgios com esquemas mirabolantes com a segurança social inglesa e habilidade na obtenção de subsídios vários e habitação. Para não ferir susceptibilidades dos meus leitores polacos e também por que é uma realidade muitos portugueses na Inglaterra não fogem a esse estilo de vida que tem causado celeuma e um aumento de votos na extrema direita e nos partidos nacionalistas como o UKIP. 

Obviamente que na Polónia não há qualquer vantagem em viver à custa da segurança social. Os subsídios, quando os há, são ridículos ou simbólicos e não há cá décimo segundo e décimo terceiro mês ou subsidio de almoço, na maior parte das empresas e instituições polacas prepara-se uma refeição na cozinha ou vai-se petiscando aqui e ali para se sair do emprego a horas suficientes para ainda se fazerem umas compras sem atrasar demasiadamente o jantar ou a saída à noite. 

Nota-se claramente um contraste entre quem tem capital e quem não o tem, o que já mencionei amiúde no blogue, mas no meu ponto de vista quando comparo a Polónia de 2001 no meu ano de Erasmus e a Polónia de 2014 há uma diferença evidente em inúmeros aspectos inclusivamente no tal "choque cultural" ou "guerra cultural" entre uma sociedade profundamente conservadora e religiosa e uma outra que se afasta dos valores tradicionais, religiosos, sedenta de progresso e mudanças de fundo. 

Duas senhoras religiosas seguram um banner na manifestação contra a peça Golgota Picnic em Poznań. "Apenas sob esta cruz. Apenas sob este símbolo. A Polónia é Polónia e um polaco é um polaco". 

Prova disto os recentes acontecimentos em Poznań (20 de Junho) com a peça teatral Golgota Picnic do argentino Rodrigo Garcia inserida no evento Festival Internacional de Malta. Uma censura à sociedade de consumo recorrendo a elementos bíblicos foi tomada imediatamente como afronta, blasfémia e provocação aos valores polacos por grupos de católicos fundamentalistas e hooligans de futebol ligados à extrema direita. Da manifestação à ameaça física e verbal venceu a censura, com o aval do ofendido presidente da câmara de Poznań, e a peça foi mesmo cancelada mas como estamos já dentro no século XXI e a sociedade evolui a "lei da rolha" teve o efeito de tiro que sai pela culatra.
O Golgota Picnic teve uma projecção acima daquilo que se esperava - a típica falácia dos néscios darem importância a algo sem importância especialmente quando vindo do estrangeiro -  mobilizando inúmeras figuras de craveira da cultura e artes polacas que levaram a peça a percorrer 30 cidades polacas em vez de apenas Poznań e dando-lhe ainda uma enorme publicidade pela Europa fora. 

A Polónia estará dividida? A resposta fica no ar mas os factos esses têm os pés bem assentes na terra. A influencia do catolicismo nos assuntos públicos, na politica e na sociedade polaca é indelével. As convulsões internas relacionadas com assuntos como a homossexualidade, o aborto, a união de facto e a contracepção (não há por exemplo venda livre da pílula de contracepção feminina) ou a censura - legalizada - a assuntos que abordam a religião católica são alguns dos temas que se vivem actualmente e que de certo modo são uma viragem de mentalidades semelhante à ocorrida durante a Revolução Sexual nos anos 60. 




Se vivem ou querem viver na Polónia leiam o sinal e apertem os cintos. Plim! Sentem a turbulência? 


1 comentário:

Anónimo disse...

Olá Ricardo!
Daqui a 2 anos vou para a Polónia, vou frequentar se tudo correr bem a Universidade de Educação Física e Desporto em Varsóvia! O meu maior receio é o idioma.. Sei dizer alguns coisas, mas são aquelas frases de turista! Quanto tempo é que demorou a adaptar-se ao idioma?