segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Comunidade portuguesa na Polónia ou portugueses pela Polónia?


Mea culpa... Confesso que o titulo do tópico que coloquei na página da Comunidade Portuguesa na Polónia no Facebook foi ao estilo Correio da Manhã, TVI ou Daily Mail. "O lado escuro da emigração na Polónia" mas foi mesmo de propósito para que os membros de tal espaço virtual finalmente se envolvessem num debate e saíssem do silêncio ou dos rotineiros gosto. No fim de contas existe, ou não, um dark side da emigração na Polónia? Nomeadamente dos portugueses? Parece que não; o que há - isso sim - é uma inevitável tendência de discutir estereótipos e fazer "conversas de café". 

Os Cafés Nicola lembraram-se da comunidade portuguesa na Polónia nos saquinhos de açúcar. "Bom dia aos 147 portugueses na Polónia". Somos com certeza muitos mais mas já dá para se ter uma ideia que ainda ao estilo aldeia do Obélix estamos por todo o lado.
Afinal o que é uma comunidade? Nada como consultar o dicionário para se ter uma ideia concreta e académica do assunto em questão...

co·mu·ni·da·de (latim communitas-atis)substantivo feminino1. Qualidade daquilo que é comum.2. Agremiação.3. Comuna.4. Sociedade.5. Identidade.6. Paridade.7. Conformidade.8. Lugar onde vivem indivíduos agremiados.

"comunidade", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://dicionario.priberam.pt/comunidade [consultado em 23-02-2015].

Neste aspecto somos de facto uma comunidade, ainda que pequena, quando em comparação com aquela na França, Suiça, Luxemburgo, Reino Unido, Irlanda, Angola, Brasil ou Alemanha. Países com um nível de vida superior ao nosso pequeno rectângulo ou que oferecem mais oportunidades de trabalho e remuneração sobretudo a quem terminou um curso superior sem ter de aceitar humilhantes ofertas de 600€ de salário e um "se não gostas há mais quem queira" ou ter de trabalhar num call-center a cravar por telefone serviços caríssimos e desnecessários a pensionistas. 

O que não somos é uma comunidade portuguesa típica onde se organizam "bailaricos" e "patuscadas" e se convidam grupos de folclore em autocarros turísticos para matar saudades de casa. Na maior parte são emigrantes com curso superior ainda nos vinte ou trinta anos e estão aqui por inúmeros motivos aos quais o dinheiro não será definitivamente o principal. Com excepção de meia-dúzia de executivos de multinacionais portuguesas os salários na Polónia não são dos mais atraentes na UE ainda que, com a querida austeridade, conheço imensos casos (incluindo o meu) de portugueses que hoje em dia ganham mais na Polónia do que alguns familiares que ficaram em Portugal. 

Nuno B. Varsóvia

Com respeito aos emigrantes portugueses na Polónia e assumindo claramente o risco da generalização, divido-os em três grupos:


1) Altos quadros de empresas - grupo hermético que tem as despesas todas pagas, nenhuma interação com os restantes portugueses, zero ou quase zero conhecimento de polaco e da cultura do país, entendem a Polónia como um território de oportunidades de criar riqueza;
2) Estudantes de Erasmus - putas e vinho verde, YOLO, uma polaca por dia dá saúde e alegria, 6 meses a queimar borracha e o fígado sendo que alguns mais sossegadinhos apaixonam-se e acabam por vir para cá arranjar trabalho para ficarem com elas;
3) Os outros - malta que tem os putos na escola pública, convivem com polacos, estrilham nos Urząd das finanças por causa dos impostos ou da Junta de Freguesia quando vão tratar da residência, têm tv polaca e tencionam triunfar na Polónia.

Desde que tenho este espaço de escrita recebo mensagens dos mais variados tipos entre as quais de portugueses que por algum motivo não se estão a integrar e sentem que não há apoio por parte dos compatriotas nestas terras; ou porque não se reúnem frequentemente, ou porque só pensam em beber álcool e andar na noite, ou porque se julgam os melhores do mundo, ou porque... 
Os estudantes ao abrigo do Erasmus Mundus Programme (já fui um) são por vezes acusados de contribuírem, de certo modo, para a imagem negativa e reputação dos portugueses que aqui se encontram no entanto é lógico que quem se encontra em intercâmbio vai inevitavelmente - com excepções como em tudo - cometer excessos e é no mínimo injusto inclui-los sequer como contribuintes para a ideia que os polacos têm dos portugueses na Polónia. 

Nuno G (Cracóvia)

Pois então: há por aí tantos de nós, cada um com a sua história de vida, que certamente que não podemos classificar-nos todos como "eternos Erasmus", ou "profissionais sérios". Certamente que há os mais trabalhadores e os menos, os mais foliões e os menos, etc. Fico contente por saber que tanto eu como alguns amigos portugueses aqui conseguimos levar uma vida equilibrando bem ambas as partes. Fico triste ao ler que há portugueses aí que não prestam - pois certamente que os haverá, mas ainda assim vir aqui expô-lo dessa forma... Para terminar, e agora sim a acha para a fogueira: continuo sem entender como é que tanto português consegue continuar desprezando por completo a aprendizagem da língua do país onde vive, mesmo passados anos.

Não é portanto surpresa que muitos dos que aqui estão ficaram ou regressaram ao país onde estudaram e onde tanto se divertiram. Jocosamente são apelidados de "eterno-Erasmus". 

Como tal não é difícil cair em estereótipos quando se tenta desenhar o retrato dos portugueses e portuguesas que aqui fazem  a sua vida ou que aqui estiveram a dada altura. O facto é que há de tudo, do trabalhador incansável ao preguiçoso, por conta própria ou a trabalhar para terceiros, do boémio ao caseiro, do folião e bêbado ao austero, do individuo culto ao casca-grossa, o que quer aprender polaco e o que se está nas tintas para o idioma, do religioso ao ateu do heterossexual ao homossexual etc... 

Fátima M.

A maioria dos portugueses, e julgo q tu estejas incluído, vieram para cá porque tinham/têm namorada polaca (peço desculpa se estiver errada). Nunca fiz Erasmus, vim directamente de Portugal e não conheci nenhum português (excepto eu) que tenha vindo para cá sem antes ter feito Erasmus. Acho que isto se trata de uma questão de idade. Quando és mais novo, sais mais e isso cria maior exposição perante os polacos e, consequentemente, mais problemas. Quando és mais velho, nao tendes a sair tanto e por isso não te expões tanto a discriminações masculinas. Relativamente a serem profissionais, tanto quanto sei, tanto uns como outros são profissionais. Nunca ouvi queixas de ninguém relativamente a portugueses. Aliás, o que mais ouvi foram elogios.

Afinal somos também um país em mudança e assim a trazemos para outras paragens, esse é também o nosso contributo no mundo contemporâneo acrescentando a quase obsessão com gastronomia e iguarias que levamos para todo o lado. Não somos muito diferentes de outras comunidades de europeus ainda que nos identifiquemos mais facilmente com brasileiros, espanhóis, italianos, gregos e sul-americanos do que com outros europeus do Norte, Centro e Leste da Europa.

Somos uma comunidade ainda que pequena, atípica, com motivos mais emocionais do que pecuniários, e sobretudo uma comunidade "tecnológica". Na Internet constata-se facilmente a existência de um grupo de portugueses emigrados na Polónia ainda que, fisicamente, se encontrem espalhados nos quatro cantos deste país (alguns sem portugueses perto) e nunca se tenham conhecido na vida real.



Carlos M. (Łódź)

Para mim o conceito de comunidade é bastante alargado plural e inclusivo, define-se portanto por um grupo de pessoas que partilham laços comuns tendo em comum um sentimento de pertença. As razoes essas podem ser as mais diversas, culturais, linguisticas, de género, orientação sexual, bebedolas, drogados etc etc ...no nosso caso somos uma comunidade pelo simples facto de sermos portugueses, conceito esse por demais abrangente. 

Desde que vim para a Europa Central nunca fiz questão especial de estar e/ou encontrar portugueses tal como nunca fiz questão de encontrar chineses ou pessoas segundo a sua nacionalidade ..... e isso não tem com certeza nada a ver com individualismo ou falta de ligação ao país . 

Por razões de trabalho acabei por conhecer bastantes portugueses cada um com a sua historia de vida, suas motivações, sua visão pessoal do mundo. Acabei também, como que por empréstimo por conhecer outros Portugais na Polónia. Por isso pessoalmente prefiro usar sempre o plural e não, como bem dizem os polacos, wrzucić wszystko do jednego worka ou seja como nós dizemos pôr tudo num mesmo saco. Pois o risco em estereotipar pode reduzir a coisa a um cartão postal cheio de lugares comuns e retratos robots mais ou menos cheios de exaltação nacional, julgamentos de valor e extrapolações sobre o "bom" ou "mau" português. Adiante ...... penso que a maioria dos emigrantes portugueses que aqui vivem falam inglês o que implica desde logo que tenham educação formal sendo a sua capacidade de adaptação e integração muito diferentes por exemplo da dos emigrantes analfabetos ou semianalfabetos dos idos anos 60 e 70 do século passado. 

Os empregos ocupados tendem a ser especializados, não creio que vá encontrar porteiras e pedreiros portugueses a trabalhar aqui. Por outro lado o chalé, as festas do mês de Agosto e a peregrinação a Fátima não serão para a maioria uma obrigação e/ou um sonho de vida. O próprio conceito de emigração mudou, já não se emigra a monte basta apenas ter um cartão de cidadão. E as viagens ás vezes estão ao preço da uva mijona. O acesso à informação também encurta distancias. A dinâmica e a mobilidade mudaram, passamos a ser emigrantes dentro de um espaço comum que já não se reduz apenas ás fronteiras físicas do pais de origem. 

Relativamente ás diferenças culturais elas de facto existem . As culturas são um pouco como as pessoas é sempre injusta qualquer comparação. Penso que o fascinante da coisa é mesmo esse exercício, muitas vezes difícil, de nos deslocar-mos da nossa perspectiva para tentar entender o outro e aceita-lo ou não, é todo um processo de "mutação" . 

Sou português de origem e um pouco polaco por escolha.... e estou a curtir assim.

Viver neste país é acima de tudo um desafio, sobretudo pelo idioma e pelo frio durante 4 a 5 meses. Não é para quem pode, é para quem quer. Como já disse no passado e citando o nosso grande poeta Fernando Pessoa no seu slogan da Coca-Cola assim é a Polónia;

Primeiro estranha-se, depois entranha-se...

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