Chegamos a Setembro e com ele as descidas de
temperatura, a queda das folhas, o começo do ano escolar e com ele o
aparecimento de estrangeiros trazidos pelos programas de intercâmbio entre
universidades, sobretudo o Programa Erasmus e Leonardo da Vinci. Em Łódź
reconhecem-se por andarem aos pares e por falarem entre si entusiasticamente e
um tom acima da média dos transeuntes. Por vezes oiço a língua portuguesa
quando se cruzam comigo sobretudo na rua Piotrkowska e no Centro
Comercial Manufaktura. Estão eles longe de imaginar que acabaram de
se cruzar com um compatriota e também com um ex-Erasmus que decidiu
viver no país onde supostamente deveria ter estado apenas um
semestre.
Do
semestre de 2001/2002 até hoje muito mudou na Polónia e no mundo, Em Agosto e
Setembro de 2001 pesquisar no Yahoo (o Google era ainda uma miragem) por
Polónia ou Poland resultava num ror de informação pouco útil e
nem mesmo um mapa decente do centro da cidade de Łódź consegui encontrar para
imprimir. Nessa altura fazer um Erasmus na Polónia era uma verdadeira
aventura. Um país que havia saído do comunismo há pouco mais de dez anos e
ainda a sonhar com a adesão à UE. Uns
a favor e outros, ainda que menos, eram contra sobretudo nos meios mais
conservadores e rurais. Teríamos de esperar mais quatro anos para essa mudança.
Em 2013 com a Internet e o fenómeno das redes sociais
como o Facebook já ninguém se perde e agora até podemos caminhar pelas grandes
cidades polacas graças ao serviço prestado pelo Google Street Views e Google
Earth. Milhares de páginas no Google respondem a tudo e as saudades
matam-se pelo Skype ao contrário do telefone, telemóvel (nada
de smartphones), e karta telefoniczna que se usava em
2001. Os "orelhões" e cabines praticamente desapareceram tal
como as dezenas de cyber-cafés (a 2 złoty à hora) e,
espantem-se, as inúmeras sex shops que proliferavam no centro
da cidade. As ruas estavam pejadas de minúsculos Fiat 126P ou Maluch
e Fiat Cinquecento fabricados em Tychy a par com o Fiat 125P e o
horrendo FSO Polonez. Certo que ainda se vêm muitos carros velhos e com dez anos
ou mais mas hoje em dia proliferam os SUV japoneses e os topos de gama alemães
e japoneses. O empresário e o empreendedor bem sucedido não pode ficar atrás da
concorrência e o automóvel é o espelho do seu sucesso nem que seja para manter
fachada.
Os apartamentos eram mais cinzentos e ainda iguais
aquilo que eram durante o comunismo. Ao longo destes anos que passaram muitos
foram pintados, renovados, isolados com tela de asfalto e esferovite (Isopor em
português BR) e muitos outros construídos de raiz em condomínio privado,
isolados do exterior com direito a rede a toda a volta, câmaras de vigilância,
segurança privada e medidas de segurança a roçarem a paranóia.
A rede rodoviária e ferroviária renova-se ainda que
lentamente tendo que se ter em consideração o tamanho do país com os seus
312.600 Km2 contra os 92.000 km2 de Portugal. Alguns portugueses quando
confrontados com esta realidade acabam por reflectir que o nosso país afinal
não está tão atrasado como isso e os fundos da UE usados na construção e concessão
de de autoestradas e via-rápidas afinal tiveram alguma utilidade ainda que as
mesmas se paguem a peso de ouro e estejam vazias em muitos troços.
O que não mudou e nunca vai mudar foram as
preocupações dos pais com os filhos. Recebo frequentemente no e-mail pessoal e
também no blogue, página pessoal do Facebook e página da comunidade portuguesa
na Polónia do Facebook mensagens de mães preocupadas com os filhos e filhas.
Pedem ajuda e informações variadas. Haver um português ou portugueses na Polónia
é um pouco como um xaile para colocar nos ombros. Acaba por dar algum conforto
e nós os "tugas" residentes invariavelmente tentamos ajudar no que
podemos seja pessoalmente ou nas redes sociais. Estudar na Polónia ainda
causa apreensão e estou convencido que quem faz Erasmus em Espanha, França ou
Itália não dará tantas ralações aos progenitores. Primeiro a distância de mais
de 3000 Km, depois a pouca ligação que estes países tiveram entre si durante
séculos, o frio que por aqui se sente e que por vezes se extrapola para
temperaturas siberianas e a barreira linguística. Se entre as novas gerações se
encontra com relativa facilidade quem fale inglês nas mais antigas e mesmo
naquela dos que encontram agora entre os 30 e os 40 é bastante mais complicado.
Ainda mais
difícil em repartições públicas e do Estado.
Átrio do Politécnico de Varsóvia
Aprender polaco na universidade pode ser a solução mas
não só é moroso como complexo aprender os sons e palavras de origem eslava no
espaço de tempo que dura um intercâmbio.
Para a
maioria é a primeira vez que vão estar longe dos pais e da família e junto com
uma miscelânea de culturas e idiomas, de histórias de vida, festas de arromba e
bebedeiras de caixão à cova (especialmente nas festas com polacos) rir com os
estereótipos como o inglês falado por italianos e franceses ou como os
finlandeses e suecos descongelam depois de uns meses na Polónia passando de
sérios e contidos nórdicos para autênticos boémios. Depois vem o amor e o sexo,
paixões que ficam e duram, outras fugazes que podem acabar como aquela de um
português que amnésico da Vodka deu por si a acordar de manhã, num apartamento
qualquer, na periferia da cidade com uma simpática polaca a oferecer-lhe chá ou
cenas surreais como a do francês que ao sentir frio no velho apartamento que
tinha alugado decidiu trazer um bidão para a sala e nele queimar lenha acabando
interrogado pela polícia entre as luzes da sirene do auto-tanque dos bombeiros
e os protestos dos vizinhos polacos, o barulho de uma árvore de Natal ressequida
e respectivo vaso atirada de um terceiro andar à uma da manhã, uma colecção de
garrafas de álcool vazias que dava para encher um vidrão de reciclagem ou os
destemidos que se fizeram à estrada ao volante de um corroído Fiat 126P depois
de acabaram o intercâmbio.
Fiat
126P no Mónaco depois do Erasmus na Polónia. In: http://www.3maluchtrip.blogspot.com/
A par com o objectivo primordial - estudar - o Erasmus
é uma experiência única, só se repete uma vez, quase como o primeiro beijo e é
também uma experiência de vida daquelas em que passa a haver um antes e um
depois, nunca mais somos os mesmos depois de um Eramus.
Sem comentários:
Enviar um comentário