Vila Nova de Famalicão, Portugal. Setembro
de 1979. Manhã solarenga, uma escola primária portuguesa típica, daquelas
de modelo Salazar, construídas durante a Ditadura com dois andares e quatro
salas. O choque foi grande, nem sabia que ia para a escola habituado que estava
a estar em casa e a brincar livre na rua que naquele tempo era
sem saída. Lembro-me de chorar e perguntar pela mãe. Ao fim de
algum tempo acalmei mas eram outros tempos e a própria professora viria a
revelar-se pouco apta para lidar com crianças apesar de ter sido a pessoa que
me ensinou a ler e a escrever e por isso estou-lhe grato, com
sinceridade.
Setembro de 2013, Łódź, Polónia. O Manuel - filho de
um português tem de ter um nome típico - está ansioso para entrar na escola,
vai de encontro a duas das suas colegas que conhece dos três anos de
infantário. As mochilas são mais largas que as suas costas mas hoje em dia
fazem-nas em materiais sintéticos tão leves que mal pesam e os livros são
imprimidos em módulos de modo a que as crianças não tenham de carregar pesos
desnecessários.
A cerimónia de abertura decorre no palco da sala de
concertos, a escola foca-se no ensino da música e na aprendizagem de um
instrumento musical, junto com o programa curricular nacional. No palco uma
bandeira da Polónia, a águia branca com coroa dourada, símbolo do país e do
lado direito um enorme piano de cauda. Neste dia os pais e os professores devem
vestir-se mais formalmente e as crianças também. O director pede para que todos
se levantem e cantem o hino da Polónia, o Mazurek Dąbrowskiego.
Algo embaraçado consigo apenas dizer uma das estrofes "Marsz, marsz,
Dąbrowski, Z ziemi włoskiej do Polski" (Marcha, marcha Dąbrowski,
de terras italianas para a Polónia) e o resto em silêncio, faço uma nota mental
para aprender o resto da letra.
Seguem-se os discursos do director e directora da
escola, conselhos para o ano lectivo, uso ou não de telemóvel - esta surpreendeu-me
- próximas reuniões de pais e finalmente a chamada dos alunos para as suas
professoras. O zeitgeist espelhado na quantidade de smartphones e
câmaras digitais a tirarem fotografias e a fazerem filmes do momento. Quando
entrei na escola nem sequer se pensava em levar um câmara fotográfica
(obviamente daquelas com película) e muito menos uma Standard 8 que
só os mais afortunados podiam comprar.
Vejo na
fila da frente dois mulatinhos, um menino e uma menina, muito bonitos e bem
vestidos, destacam-se entre os outros alunos pela sua cor de pele mas nem um
traço de descriminação, estão perfeitamente integrados e convivem com as outras
crianças, pergunto-me se são filhos de pai ou mãe brasileiros ou angolanos - há
uma pequena comunidade na Polónia. Um deles é colega do meu filho. Finalmente
reúnem-se os grupos e sem surpresa, afinal estamos na Polónia, a professora é
atraente. E assim de mão dada e felizes, vão todos
ruidosos para a primeira lição.
Apesar de não o demonstrar sinto-me comovido. Ver o
meu filho assim tão feliz no primeiro dia de escola serve quase como redenção
da minha amarga experiência naquele dia de Setembro, já tão longe, no final da
década de 70.
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