terça-feira, 16 de outubro de 2012

COHABITAT GATHERING 2012 - A simplicidade redescoberta



Na avenida Politechnika fica o novíssimo Centro de Conferências de Łódź. Este novo edifício espelha a nova Polónia pós-EU e vontade deste país em aparecer e se mostrar ao mundo. Para a velha e cinzenta cidade de Łódź é também uma necessidade. Timidamente Łódź tenta destacar-se e ser uma alternativa à cosmopolita Varsóvia e à relativamente fronteiriça e fervilhante cidade de Poznań. A tarefa é difícil mas não há como tentar.  



No passado fim-de-semana decorreu o encontro anual do movimento Cohabitat que pretende um retorno à construção natural e orgânica, à produção de alimentos orgânicos e locais enquanto promove a redescoberta da natureza e tradições perdidas e relegadas para segundo plano depois da revolução industrial. Soa a utopia e a ideologia? Sim; mas como disse o nosso poeta e místico Fernando Pessoa "Deus quer, o Homem sonha, a obra nasce"! A realidade é que sem nos apercebermos consumimos quase tudo o que vem de corporações e grupos económicos gigantescos que privilegiam a quantidade à qualidade. O pequeno agricultor e a horta que outrora alimentava uma família desapareceu entre espaços para arrumar automóveis e blocos de apartamentos antigos ou mais recentes. A vida urbana e a industrialização assim o ditaram mas no dealbar deste novo século um novo movimento em contrário, o do regresso ao campo e à agricultura de subsistência , começou a crescer.

Centrum Konferencyno-Wystawiennicze MTŁ mesmo ao lado do famoso MIG-21...




Em Portugal já temos algumas eco-aldeias em funcionamento e com sucesso apesar de ainda serem vistas (erradamente) como concentração de hippies ou adeptos dos movimentos new-age que fumam erva ao som dos 5th Dimension e da canção Age of Aquarius que tanto furor fez no filme Hair. As eco-aldeias estão para a sociedade como a Internet está para a Igreja. É aceitável, não é uma má ideia mas vai contra o estabelecido, vai contra um certo estilo de vida que a publicidade pretende promover onde as casas são assépticas e todos sorriem ao jantar numa mesa perfeitamente posta. 

Alternativas precisam-se e se há quem se sinta como peixe na água em edifícios envidraçados, sentado oito horas em frente de um computador almoçando fast food, fechado dentro de uma lata com rodas em longas filas de trânsito ou em transportes públicos apinhados e no frenesim do dia-a-dia das grandes cidades outros há que querem afastar-se. Foi nesse sentido que se criou o Cohabitat Gathering, este ano na sua segunda edição. 

Os convidados vieram de vários países; da Suécia, Finlândia, Estónia, da Alemanha, Inglaterra, Eslováquia mas também os houve da Polónia - gente envolvida em projectos semelhantes, com ideias e trabalho reconhecido. O tema central foi em torno da construção de habitação com materiais ecológicos como se faziam há duzentos anos, antes da revolução industrial e do uso massivo do tijolo cozido e do cimento.

Interior de uma casa construida com materiais naturais entre os quais palha, madeira e barro. In: Cohabitat.net
Uma casa de palha, pedras, madeira e barro? Uma ideia inconcebível para os padrões e standards modernos mas viável e bastante mais económica do que a compra de um simples apartamento urbano ou a construção de uma vivenda em cimento e tijolos - especialmente na Polónia com os seus Invernos gelados e a necessidade de se aquecerem as casas. As casas ecológicas apresentam, segundos os estudos dos especialistas, um rendimento térmico muito superior a uma casa comum e os materiais naturais criam um ambiente especial muito acolhedor. São portanto alternativas para aqueles que têm um orçamento limitado ou não pretendem ser escravos de um banco durante duas ou três décadas a fio.

Mas nem tudo se trata da construção de habitação. O conceito é mais abrangente e envolve a comunidade; um pouco como uma aldeia do Obélix onde todos se conhecem e trabalham para o bem comunitário neste caso não tendo Romanos nem Bárbaros à espreita! Quando muito tolera-se um Bardo desafinado. 

Nas duas últimas décadas o mundo agrícola sofreu uma revolução e tal como em outras áreas a agricultura foi retraindo à medida que os velhos desapareciam e as grandes corporações dos agro-negócios como a Monsanto entravam em campo desenvolvendo sementes geneticamente modificadas com o intuito - dizem - de aumentar a qualidade e a defesa contra pragas e outras afeções de origem natural. A questão é que as sementes da Monsanto têm patente como qualquer outra invenção, não são compatíveis com sementes não-OGM e de acordo com estudos de grupos independentes são mais prejudiciais à saúde humana que as sementes orgânicas. Se ninguém se opor a isto em breve a esmagadora maioria das sementes estarão nas mãos de corporações o que equivale a dizer que a alimentação mundial e o poder de decidir quem come ou quem morre de fome ficará nas mãos de uma elite. Uns preferem pensar que isto não é bem assim, que são teorias da conspiração mas sugiro que se informem, que leiam mais atentamente os jornais quando há manifestações contra as corporações e os políticos a favor  das mesmas.

Comprar local

Reconheço que é cómodo e pratico metermo-nos no automóvel e fazer as compras numa grande superfície. Andamos para ali de carrinho de compras, pagamos, voltamos ao carro e lá carregamos os sacos para casa. Os legumes e as frutas estavam devidamente acondicionados mas em muitos casos faltam-lhes o sabor ou vieram de longínquas paragens em barcos com gigantescos congeladores. Ainda se compreende em produtos que não há localmente como o kiwi, a banana e tantos outros que não se encontram na Polónia mas, por exemplo, custa-me comprar alhos chineses, castanhas chinesas, batata alemã ou cenouras holandesas quando temos o mesmo de origem polaca e por sinal com mais sabor - abro uma excepção para as castanhas que tenho de mandar vir de Portugal.

As grandes superfícies lidam com quantidade a preço o mais baixo possível para maximizarem os seus lucros o que desfavorece o pequeno agricultor e a produção local que não consegue competir nem tem os meios para chegar ao grande público. Um elo que de acordo com Jan Sliński - jovem agricultor ecológico - está por preencher. O consumidor que pretende produtos naturais e locais não chega ao produtor e vice-versa. Jan tem uma quinta ecológica onde promovem o agro-turismo e produzem cerveja localmente.

Mary Clear e Pam Warhurst
Marten Kaevats na Finlândia desenvolve estudos na área da energia solar enquanto disponibiliza em open-source software relacionado com a sua actividade. Frank Kresin e Barbara Jones são arquitectos especializados na construção de casas em palha e madeira mas o prato-forte foi a indomável avó Mary Clear da pequena cidade de Todmorden no West Yorkshire do Reino Unido. Corpulenta e decidida mostrou com grande sentido de humor como começou o projecto Incredible Edible que resume assumindo-se como "um grupo de pessoas trabalhando apaixonadamente e em comum para um mundo onde todos partilhamos responsabilidades pelo nosso futuro e bem-estar do nosso planeta. O nosso objectivo é o de partilhar o acesso aos bons alimentos locais para todos através do trabalho em comunidade, aprendizagem e suporte dos negócios locais." Mary promoveu em Todmorden a ocupação de canteiros e baldios com a plantação de legumes e árvores de fruto e inclusivamente o turismo onde alguns não resistem à curiosidade de visitar a plantação de couves na estação de caminhos de ferro e os canteiros e jardins que viraram horta. Mary detesta regras e regulamentos portanto a única condição para se ser membro do Incredible Edible é, ter de comer...

Um "admirável mundo novo" emerge e a cada ano que passa mais pessoas se interessam e procuram saber mais. Esperamos que o futuro nos traga uma sociedade mais livre, mais responsável e com sensibilidade para que possamos desfrutar do nossos planeta e dos seus recursos sem que ambas as partas saiam prejudicadas.

Ah! E o catering estava delicioso sendo parte dele feito por uma das sócias do Eco Café-Clube W Te Pędy, a minha cara-metade. Dziękuję był naprawde smaczne!















  

2 comentários:

Ryan disse...

Se já soubesse falar Polaco de certeza que não estava a viver numa grande cidade. Apesar de que no dia em que sair da cidade vou ter saudades de ter uma boa livraria por perto e outros pequenos vícios, ou luxos, que tenho por agora.
Falta-me um pouco o campo que me traz o meu Alentejo á lembrança.

Ricardo disse...

Em Łódź bastam 12 quilómetros para estares na "província". A associação Cohabitat planeia a construção da primeira eco-aldeia aqui perto, em Zgierz. Em 20 minutos estás em Zgierz e em meia-hora em Łódź. Digamos que a ideia não é a de viver isolado mas antes a de ser mais independente. Independente a nível energético através da utilização de energia geotérmica e solar (out of the grid) e também pela produção e troca de alimentos a nível local. A Polónia ainda está atrasada nesse aspecto mas começasse, como se diz em inglês, a "gathering momentum". :)