domingo, 5 de agosto de 2012

Vida durante 37 anos de comunismo - PEWEX's e Baltona's


Tivemos mais anos de ditadura em Portugal do que os polacos tiveram de comunismo. 41 anos de Estado-Novo contra 37 anos de República Popular da Polónia (PRL ou Polska Rzeczpospolita Ludowa). Uma diferença pouco assinalável mas dois regimes completamente opostos - ainda que com semelhanças - derivados das grandes mudanças sentidas na Europa a partir do século XX e após o conflito mundial entre 1939 e 1945.



"O que TU fazes para a realização do plano?" O operário, a classe proletária apela para a mobilização colectiva de maneira a que se concretize mais um dos planos (semestrais, anuais, a cada cinco ou seis anos) para a melhoria das condições de vida na República Popular da Polónia. O Uncle Sam wersja Polska...

Em contraste Portugal não é um país pequeno, quando tínhamos as colónias... Malange e a Lunda por cima da Polónia.

Uma sardinha para quatro (ou para uma família consoante as versões), senhas de ração (kartki) para aquisição de commodities que nem sempre estavam disponíveis, beber vinho para dar pão a um milhão de portugueses, trabalhar para o bem-estar do povo e o progresso mas ver uma classe política a viver em luxo ou com privilégios; Deus, Pátria e Família apelidado noutros regimes como ópio do povo onde o ateísmo de Estado fazia contraste com o conservadorismo e a fé católica protegidos na Península Ibérica por António de Oliveira Salazar e Francisco Franco. Policia política em ambos os regimes, deportações e perseguição da oposição são algumas das semelhanças entre os outrora inimigos.


A minha experiência de vida - iniciada nos últimos meses de governação de Marcelo Caetano - e a da minha companheira de vida (nascida na Polónia tendo vivido 13 anos de comunismo) diferem imenso mas têm em comum aquela sensação que a qualquer momento poderíamos presenciar a agonia de uma terceira guerra mundial. Uma guerra nuclear com grandes possibilidades de ser a última. Na infância não entendemos verdadeiramente o que nos rodeia. Os americanos e a OTAN eram os nossos aliados e protectores e os russos junto com os países-satélite da URSS os nossos algozes. Todos tinham misseis nucleares de longo alcance com ogivas múltiplas capazes de fazerem a explosão de Hiroshima e Nagasaki parecer o rebentamento de um petardo. Os russos exibiam os misseis nucleares em paradas monumentais frente ao Kremlin enquanto os americanos asseguravam que tinham a tecnologia mais avançada capaz de cilindrar o inimigo. Segundo documentos secretos do tempo da Guerra Fria a Polónia seria palco dos primeiros rebentamentos de bombas atómicas servindo como "sacrifício" para uma possível paz entre os beligerantes. 

Parada em 1959. Ao estilo soviético a marcha demonstra bem a influência da URSS nos destinos da política polaca.

 

Cartaz de propaganda comunista na Polónia: "O ausente é um desertor na frente da luta pela paz e força da Polónia".  De 1952 (quando se fundou a República Popular da Polónia) e o fim pacifico do comunismo em 1989 com a restauração da democracia os polacos viveram em circuito fechado com a supervisão do grande irmão soviético. Estaline reclamou a sua parte do bolo pós-guerra instalando um governo-fantoche pró-soviético. De fora ficou o Plano Marshall e a reconstrução seria feita com a ajuda da URSS, pagando-se a mesma pela utilização de território polaco para fins militares e pelo pagamento da divida em inúmeros produtos Made in Poland. Só em 1989 os russos retiraram o seu material de guerra em longos comboios que os levariam de volta para a Rússia.  




A escassez de bens de primeira necessidade e as "crises" constantes levaram à necessidade de se criarem mecanismos de controlo do consumo. Estudos científicos elaborados demonstravam as doses diárias de produtos alimentícios necessárias à satisfação das necessidades básicas da população enquanto o Estado controlava a quantidade de combustível necessário para um mês para aqueles que conseguiam um automóvel depois de anos de espera. 

Enquanto se reconstruia o país depois da desolação gerada pela guerra e se erigiam bairros inteiros com prédios semelhantes a colmeias surgia também uma sociedade que ambicionava mais do que apenas a reconstrução. A vida nas cidades, sobretudo nas grandes urbes como Varsóvia, Łódź, Poznań, Cracóvia e Gdańsk gerou uma classe-média onde os quadros de grandes empresas estatais, engenheiros, doutores e técnicos especializados procuravam produtos ocidentais. Todos sabiam que as proibições e as pressões políticas causam mais danos e incentivam o crime nomeadamente o contrabando. Desse modo surge a ideia de se criarem lojas onde se aceitavam dólares americanos e marcos da RFA. Já que a entrada principal estava fechada entrava-se pela "porta do cavalo"!  

Os PEWEX (Przedsiębiorstwo Eksportu Wewnętrznego - Firma de Exportações Internas) tinham tudo o que havia no ocidente, ou quase tudo. Quem tinha algum dinheiro para despender podia trocar no banco PKO os złoty por dólares ou marcos e comprar produtos proibidos pelo regime. De acordo com fontes no Wikipédia os PEWEX tinham:

  • vestuário (Jeans),
  • tecidos, cortinas, fio,
  • mercearia (de doçarias a café, Coca-Cola e carnes frias inclusivamente fiambre polaco para exportação)
  • bebidas alcoólicas,
  • cosméticos
  • brinquedos (LEGO e carrinhos de miniatura Matchbox)
  • artigos de desporto,
  • eletrodomésticos
  • computadores,
  • automóveis
  • produtos para automóveis (óleos, pneus),
  • materiais de construção,
  • ferramentas eléctricas
 Haviam também as cadeias de lojas BALTONA que se podem comparar a lojas duty-free em aeroportos, portos marítimos e nas fronteiras. Durante o comunismo e tal como nas PEWEX eram aceites moedas estrangeiras. No aeroporto de Varsóvia (Okeciem) encontra-se uma com o seu conhecido logótipo.

Ao longo destes anos que vivo na Polónia tenho-me interessado por estes pormenores da vida dos polacos na PRL e dos testemunhos que tenho recolhido não foi um pesadelo, porventura uma noite mal dormida, pelo menos para a maioria. Há uma certa ideia - talvez fruto da propaganda americana - que nos países do ex-bloco soviético (sobretudo na Polónia, Checoslováquia, Jugoslávia e Bulgária) se viviam em condições atrozes e de grande miséria. Houve sem margem para duvidas perseguições políticas, repressão e nos primeiros anos da década de 50 deportações de dissidentes para a Sibéria onde os GULAG trataram de fazer desaparecer e calar as vozes dissidentes no entanto também houveram vantagens.
Das vantagens o que me têm dito era o emprego praticamente garantido (não havia margem para não poder trabalhar a não ser por motivos de invalidez ou saúde) e a construção de habitação onde, ainda hoje, habita uma grande parte da população urbana polaca. Desses tempos fica também a tradição da "parapetówka", uma festa do "parapeito da janela" sempre que se aluga ou se compra um apartamento. Dizem-me que nesses tempos era comum as famílias habitarem os apartamentos ainda antes de estarem totalmente acabados vai dai a possibilidade de beber o vodka no parapeito da janela. Verdade ou não? Não sei ao certo; o facto é que essas festas estão bem enraizadas na cultura popular e há uma certa tolerância dos vizinhos sempre que se fazem.

Em 1989 uma nova era começa para a Polónia. A herança comunista ainda se sente se bem que vai sendo cada vez mais diluída à medida que os anos vão passando e sobretudo pelas novas gerações de polacos nascidos na democracia e pouco interessados em coisas do passado.



Sem comentários: