sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Os 95 portugueses

De acordo com os dados na página online do Observatório da Emigração éramos 95 portugueses na Polónia em 2008. Suponho que volvidos dois anos sobre estes dados seremos muito mais, quem sabe o dobro. Perdi conta, ao longo destes seis anos em que vivo permanentemente na Polónia, da quantidade de compatriotas que decidiram emigrar para este país da Europa Central (ou Europa de Leste para alguns). Uns ficaram, outros partiram para outras paragens ou regressaram a Portugal. Houve quem se adaptasse e quem não conseguisse tolerar os quatro meses e meio de frio polaco. Quem odiasse e quem amasse.

Em 2001, quando cheguei a Łódź - uma cidade cinzenta e velha - os primeiros portugueses que conheci eram estudantes Erasmus. Soube mais tarde que havia um português do Porto no negócio dos têxteis mas que na altura estava na tropa em Portugal. Os outros eram angolanos que se intitulavam portugueses para os polacos e angolanos para os portugueses... Os portugueses eram, há dez anos a esta parte, uma espécie de avis rara entre uma maioria de emigrantes provenientes de países ex-socialistas africanos e asiáticos; muitos deles licenciados pelas universidades polacas durante os tempos do Comintern. Uns tornaram-se doutores e outros ficaram a fritar rebentos de soja e galinha.

Os anos passaram rapidamente e os intercâmbios de estudantes serviram não apenas para efeitos académicos mas também como um dos meios de divulgação da Polónia, um país que muito timidamente se fazia aparecer depois de anos na sombra do grande irmão soviético. 
Em 2001 ainda pude ver os últimos resquícios de uma Polónia recém-saída do Comunismo e algo perdida entre a sede de se americanizarem - os polacos têm um fascínio enorme pelos EUA  e pelo American Way of Life - e a proximidade com a União Europeia e Bruxelas. As ruas em Łódź ainda estavam pejadas de pequenos Fiat 126, do aborrecido Fiat 125P e de FSO Polonez. Em Varsóvia o parque automóvel era substancialmente melhor e mais moderno mas longe daquilo em que podemos ver hoje em dia. Ser estrangeiro ainda era uma espécie de raridade especialmente quando dizia ser de Portugal - esse países tão longe ao lado de Espanha. Arranjar uma "namorada" passou a ser rotina e a dada altura a "cantiga do bandido" e o "disco rachado" tornaram-se um enfado. Cheguei a considerar a compra de um pequeno gravador onde diria "Yes? I'm from Portugal", "I like Poland yes, it's a nice country", "what I like most? The gir... well... the landscapes... the mountains...", "show me the color of your eyes", "yes, I like kiełbasa", "do you live nearby?"...

Alguns portugueses não conseguem compreender como posso viver neste país, como pude trocar um país tão solarengo e com tanto para dar, como Portugal, pela fria e distante Polónia! Essa pergunta não é fácil de responder mas por vezes temos de cortar radicalmente com algo para sair da estagnação. Portugal estava a fazer-me mal, precisava de estar longe por mais uns tempos. Sinto isso nos inúmeros e-mails que recebo de compatriotas, alguns lêem este blogue e contactam-me, outros encontram-me no Facebook ou no fórum Portugueses na Polónia. A Polónia parece ser um pequeno Eldorado ou, sem mais hipérboles, um lugar ao sol (apesar do frio) para um novo começo ou uma oportunidade para a expansão de negócios. A fiscalidade portuguesa é água mole em pedra dura; muitas empresas mudaram-se para Espanha e outras paragens onde se inclui a Polónia. Todos perderam com isso. Nesse sentido recordo-me de um entrevista que fiz para a Radio Renascença em 2004 - quando fui descoberto acidentalmente por um jornalista dessa estação. Nesse ano a Indesit encerrava em Oeiras, após décadas de produção, e abria em Łódź  uma nova fábrica. Para empregar polacos ficavam umas centenas de portugueses no fundo de desemprego. O meu testemunho encorajava outros portugueses a fazerem o mesmo, já diz o proverbio que quem não está bem põe-se...

Algo correu mal em Portugal, talvez sejamos um país muito pequeno onde toda a gente se conhece e um bom emprego, em muitos casos, parece ser obtido não pelas qualificações mas sim pelos conhecimentos que se tem em determinados círculos. É difícil ver algo de positivo e pensar no regresso quando todos se queixam e os escândalos que outrora seriam o suficiente para fazer cair um governo se tornam fait divers na imprensa controlada por os aparelhos partidários.
Nos anos 80 Francisco Sousa Tavares mandou, em plena Assembleia da República, um deputado  ir bardamerda e havia debates políticos, hoje há obediência partidária. Quando era miúdo os carros do Estado tinham um dístico EP (Empresa Pública) e eram na maioria Renault 4L brancos. Hoje passaram a ser veículos em leasing sem dísticos para não estragar o figurão ao volante pago a peso de ouro que conduz o Audi A6 ou o VW Passat com motor TDI. 

Tal como já disse inúmeras vezes os polacos não têm vergonha de admitir que estão tesos e se bem que há uma emergente classe media-alta de novos-ricos polacos, que nos dão  - aos portugueses - uma sensação de deja-vue, em geral ainda há sinceridade e humildade. Portugal tem uma praga a assolar o país desde os tempos do Cavaquismo, quando o dinheiro da então CEE caia como chuva em Abril, os wannabes.
Os wannabes fazem um figurão no inicio do mês e são vistos nos locais in mas a partir da terceira semana do mês desaparecem e não têm tempo. Os wannabes param o seu veiculo alemão (parece que agora de cor branca) , colocam a haste dos seus óculos ray ban no canto da boca e abrem o capot em frente a toda a gente para apreciarem a tecnologia do motor diesel mesmo que não distingam a tampa do óleo da tampa para o liquido do esguicho.

O polaco wannabe é uma mistura de Vladimir Putin com gangster, o português uma mistura de José Mourinho com Quim Barreiros. O wannabee polaco com o seu ar eslavo não se compatibiliza com os trejeitos de gangster negro bling bling. O Hummer ou o SUV Cadillac Escalade importado dos EUA (há quem diga que aquilo é tudo roubado em Chicago e na Califórnia dando porrada em velhinhos reformados) e com vidros czarny jak cholera (negros como  o catano) são a sua imagem de marca. No pulso e no pescoço costumam ter correntes de ouro e usam sapatos bicudos mesmo que tenham de visitar uma obra enlameada ou um curral de porcos numa aldeia gdzie diabeł mówi dobranoc (onde o Judas perdeu as botas).

Espero que a Polónia mantenha sempre a sua saudável humildade. Entre uma Polónia de wannabes e um Portugal de wannabes que venha o diabo e escolha.






3 comentários:

Geraldo Geraldes disse...

é verdade. a Polónia de hoje dá a sensação de Portugal no início dos anos 90. Espero (mas tenho dúvidas) que venham a ter mais juizinho que os portugueses na utilização do guito que entra no país.
Mas uma coisa é certa, nós portugueses vivemos muito mais para a aparência do que os polacos.

Ryan disse...

Concordo contigo Ricardo mas acho que a Polonia vai chegar ao mesmo que os Portugueses. Mas espero que isso ainda demore tempo. A humildade define os Polacos mas alguma nova geracao ja me az lembrar o que temos por Portugal.

AFC disse...

LoL

"gdzie diabeł mówi dobranoc"

Não tinha conhecimento desta expressão idiomática. Fantástica :)

Realmente ter que escolher entre uma mistura de Vladimir Putin com gangster ou uma mistura de José Mourinho com Quim Barreiros é complicado, embora considere que o português wannabe é um Vladimir Putin de fato e gravata sem noções de karate, brando nos costumes mas competente na "trafulhice" que aspira ao seu Audi A8, LCD de 55 polegadas e férias em Marbella.