sábado, 18 de setembro de 2010

Polónia desconhecida

Para muitos europeus a Polónia é ainda um país desconhecido. Os longos anos de Guerra Fria e a bipolarização da Europa ainda se fazem sentir em pleno século XXI, duas décadas depois do colapso do Comunismo na Europa Central e de Leste.


Polónia desconhecida - Os Tatras

 Foi sobretudo a partir do fim do século que começaram a aparecer os primeiros estudantes polacos de intercâmbio entre universidades - o conhecido programa europeu Sócrates-Erasmus - do mesmo modo os primeiros estudantes portugueses "invadiram" a então desconhecida Polónia. No final dos anos 90 foi também o inicio das primeiras incursões empresariais portuguesas neste longínquo país, o grupo Jerónimo Martins abria os primeiros supermercados Biedronka na Polónia, corria o ano de 1997. 


No espaço de dez anos a Polónia passou a ser parte da União Europeia e do Espaço Schengen, os polacos "invadiram" a Europa, especialmente o Reino Unido e a Irlanda mas também chegaram a todos os países da UE, não sendo Portugal excepção, se bem que em muito menor número. A ideia que se vai tendo sobre a Polónia e alguns dos países adjacentes da "nova União Europeia" é a de desenvolvimento rápido depois de anos de estagnação. Essa ideia tem o seu fundamento apesar da realidade mostrar que ainda há muito caminho a desbravar e que o regime comunista deixou profundas marcas na sociedade como por exemplo a burocracia e a corrupção nos serviços públicos.

Essa ideia de uma Polónia constituída por grandes cidades e aglomerados industriais como Varsóvia, Cracóvia, Poznań, Łódź e Gdańsk, a Polónia turística das minas de sal de Wieliczka, de Częstochowa e da  catedral de Jasna Góra, dos campos de concentração em Oświęcim e Brzezinka, do Mar Báltico e dos lagos da Mazuria, de Cracóvia e Zakopane e também das polacas loiras, de pernas longas e de mini-saia é apenas uma pequena parte do país real. Grande parte dos 312.000 m2 deste país são terra arável e florestas.
Essas florestas, tornadas em parques nacionais, são um dos tesouros da Polónia e património mundial. São locais onde nos esquecemos do frenesim de Varsóvia e da agitação das grandes cidades, do caótico transito na ainda fraca rede viária da Polónia, locais onde o telemóvel passa a ser um acessório inútil quando deixa de captar sinal isolando-nos do mundo, um retiro espiritual onde o relógio não quer ser consultado e onde o ruído das urbes é substituído pelo vento a agitar a folhagem e a vegetação. Essa Polónia desconhecida encontra-se também nas montanhas Tatra, a Sul. Um país dentro do país, uma região elevada numa imensa planície. Um quase-enclave, tão elevado, que nem a maré do Comunismo conseguiu inundar.

Para quem conhece a Polónia das montanhas estes violinistas são  familiares. Num dos muitos restaurantes de Zakopane, entre o calor de uma fogueira e a neve a cair lá fora, podemos encontrá-los a tocar ao vivo enquanto comemos um prato de szaszłyk acompanhado de cerveja nacional.

E para que não digam que na Polónia só existem polacas deixo o "retrato" destes quatro "górale" polacos para as minhas leitoras do blogue. Eles costumam gostar do tipo latino...
As gentes da montanha (os górale) mantiveram as suas tradições, os seus hábitos e costumes pouco se importando das mudanças que ocorriam lá em baixo, na imensa planície polaca. As divisões, territoriais as guerras e as mudanças de regime foram ondas de choque que chegaram fracas às montanhas e não se sentiram em absoluto dentro da imensa e ainda desconhecida floresta polaca.

 A variedade de fauna e flora na Polónia é motivo de orgulho nacional e existe um grande respeito por esse património. Algo que escutei de muitos polacos é que não se grita nem se fala alto na floresta. O próprio símbolo do país, uma águia branca, é trazido das montanhas onde, segundo reza a tradição,o fundador da Polónia, o rei Lech teria visto o ninho de uma águia branca e, ao observar a mesma durante o por-do-sol ,um raio de luz pousaria sobre as asas da ave dando-lhe tons dourados, como se fosse ouro. Este local é conhecido como Gniezno (fica no centro do país) e terá alegadamente origem em gniazdo (palavra polaca para ninho).

Gone into the wild. A cadeia montanhosa dos Tatra - parte dos Cárpatos -  que se estende até à Roménia, e as imensas florestas da Polónia encerram flora e fauna que se encontra extinta ou em vias de extinção na maior parte da Europa. Nos Tatra o silencio tanto pode ser cortado por o grito da águia branca como pelo uivar do lobo.
Entre o Sul da Polónia e o Norte da Eslováquia, na cadeia montanhosa dos Tatra, fica o parque nacional Tatrzański onde se encontram espécies como o urso-pardo, o antílope, lobo, lince, marmota, veado, castor, cabra montesa, o bisonte-europeu e muitos outros animais incluindo roedores e aves de rapina. O progresso trouxe também a industria do turismo e os estrangeiros com tudo o que isso traz de bom e de mau. Ter mais de três milhões de visitantes anuais no Sul da Polónia entre os quais milhares de alpinistas tem sido motivo de preocupação das autoridades, é que entre aqueles que respeitam o meio-ambiente outros há que são incivilizados ao ponto de não zelarem pela sua própria segurança especialmente nos meses de invernia quando há risco de avalanches.

O helicóptero dos guardas-florestais tem sido uma ajuda preciosa no socorro desses turistas tal como as motas de neve e os cães pisteiros.
Para o explorador inexperiente e inconsequente uma aventura na floresta e nas montanhas polacas pode perfeitamente acabar em tragédia e nem a guarda-florestal pode valer quando alguém se perde na floresta cerrada, a centenas de quilómetros de algum lugarejo, especialmente durante o Inverno quando a neve cai massivamente e cobre os milhares de km2 de área florestal polaca. Os predadores esfomeados, como o urso-pardo e os lobos também não terão misericórdia dos humanos que por ali aparecerem. A fome e o instinto não distinguem espécies nem respondem a noções de bem e de mal.

O urso-pardo ou urso-europeu, outrora abundante nas florestas do nosso continente mas vitima dos caçadores de peles e de troféus de caça. Em finais do século XIX e principio do século XX ficou praticamente extinto na Polónia mas durante o Comunismo foram criadas reservas territoriais e parques nacionais onde se colocaram algumas das espécies em extinção em cativeiro. Em polaco urso diz-se niedźwiedź (leia-se nhiédjviédj) e duvido que um estrangeiro em pânico consiga gritar "ratunku!!! niedźwiedź!!!"
Outro factor de preocupação são as incursões de parte da fauna ao gado dos pastores e as aldeias remotas. Os ataques de lobos, ursos e linces a ovelhas são um risco e a lei não permite o abate de espécies protegidas como, por exemplo, o urso-pardo, o lobo e o lince polaco. Um tiro de carabina para o ar, um vara-pau ou os destemidos cães pastores - o cão-pastor das montanhas - são por vezes a única arma possível para dissuadir os predadores. Na realidade os animais estão no seu habitat natural e o Homem tem sido o grande invasor. Foi por isso que o bisonte (żubr) ficou extinto na Europa sendo uma das excepções a Polónia que chegou em tempos a ter pena de morte para quem caçasse esse bovino - lei para todos, exceptuando apenas a nobreza...

E a "diversão" não acaba aqui. Segundo o Wikipédia os Tatra polacos oferecem alguns records: albergam mais de 700 grutas e cavernas perfazendo um total de mais de 100 quilómetros. A gruta mais profunda da Polónia, chamada de Jaskinia Wielka Śnieżna tem mais de 800 metros de profundidade e estende-se por 23 quilómetros e a mais elevada Świnicka Koleba (2250 metros do nível do mar) bem como o horizonte mais extenso, a câmara subterrânea mais larga e o maior lago subterrâneo, Wielki Kłamca com mais de 70 metros de largura. Tudo isto acompanhado de morcegos, bastante abundantes nestas grutas.

Felizmente muito deste património ainda se encontra demasiado afastado da dita civilização e de todos os tipos de poluição, talvez por isso o site do Parque Nacional dos Tatra (TPN Tatrzański Park Narodowy) encontra-se disponível apenas em polaco, como se não houvesse interesse em divulgar aos sete ventos este mundo. Nada contra.







6 comentários:

Geraldo Geraldes disse...

Foi por causa dessa história de nunca terem limpado o sebo aos ursos que nunca forcei muito a possibilidade de participar numa caminhada pelos Tatras...É uma zona muito bonita sem dúvida.
Ps: Os violinistas górale dos restaurantes de zakopane são muito giros de ver em fotos. Agora estar a tentar comer e ouvir uns violinos esganiçados dá cabo da paciência

Ricardo disse...

@ Fernando

Quando lá estive já estava meio bêbado portanto até achei os violinos engraçados, os tipos estavam a cantar à desgarrada.

Os ursos e os lobos atacam frequentemente e se por acaso houver heróis que mesmo defendendo-se abatam um deles ainda arranja uma ida ao tribunal e ao pagamento da respectiva multa de uns bons milhares de "selotes".

Anónimo disse...

"o regime Comunista deixou profundas marcas na sociedade como por exemplo a burocracia e a corrupção nos serviços públicos. "
- mesmo sem comunismo, isto parece-me demasiado familiar aqui por bandas lusas, meu amigo...

Inês PL

João Tavares disse...

Pois eu bem conheço, nunca encontrei nenhum lobo, mas sei que há cerca de 2 a 3 semanas houve alguns casos de ataques de lobos as ovelhas em qualquer aldeia da região... Embora creio que seja mais natural poder encontrar um urso, mas quando se está a dar uma voltinha pela montanha, é possível verificar algumas placas de madeira "Uwaga mis" ou coisa que o valha lol, que alertam para o perigo e possível cara a cara com um desses lindos bichinhos :P
nunca me aconteceu até porque não sou lá muito adepto de ir para a montanha só pelo simples facto de ir (como muitos polacos o fazem, tipo desporto) lol

Em relação aos Góral, acho-lhe piada, apesar da musica se tornar um pouco chata para os ouvidos após alguns minutos a ouvi-la, mas como quando vou a um desses restaurantes acabo sempre por beber umas 2 ou 3 imperiais Zywiec... é como diz o Ricardo Taipa, também acho engraçado (ou acabo por achar) lol e claro, é uma coisa típica da região, e não teria o seu charme, em qualquer altura do ano, mas em particular no inverno quando neva lá fora... :)
da mesma forma que não gosto de Fado, mas não era a mesma coisa subir o Chiado sem ouvir o Fado que o "Sr. do calhambeque verde" vende e faz questão de tocar a alto e bom som para turista ouvir (e comprar) é claro.

Ricardo disse...

@ Inês. Ao longo destes anos em que fui sabendo as histórias da Polónia "Socialista" e da URSS cheguei à conclusão que tantos os "comunas" como os "fachos" seriam excelentes companheiros de copos... lol

@ João

Sabia que este artigo ia despertar-te a atenção, um dia ainda vais ser o nosso "tuga" nas montanhas. ;)

A tal música dos violinos começa a soar melhor à medida que o álcool no sangue vai subindo, por isso a dada altura, quando já vemos um quarteto em vez de um dueto, juramos que entendemos o que eles estão para ali a dizer!

Essa do urso faz-me lembrar esta anedota:

Um ateu passeava num bosque, admirando tudo o que aquele "acidente da evolução" havia criado.

- "Que árvores majestosas! Que poderosos rios! Que belos animais!"

Lá ia ele dizendo consigo próprio. À medida que caminhava ao longo do rio, ouvia um ruído nos arbustos atrás de si. Ele virou-se para olhar e viu um corpulento urso-pardo a caminhar na sua direcção. Ele correu o mais rápido que podia. Olhou, por cima do ombro, e reparou que o urso estava demasiado próximo.

Era tanto o seu medo que lágrimas lhe vieram aos olhos. Olhou, de novo, por cima do ombro, e desta vez, o urso estava mais perto ainda.

O seu coração batia freneticamente. Tentou imprimir maior velocidade. Foi, então, que tropeçou e caiu desamparado. Rolou no chão rapidamente e tentou levantar-se. Só que o urso já estava em cima dele, procurando pegá-lo com a sua forte pata.

Nesse preciso momento, o ateu clamou:

- "Oh meu Deus!".

O tempo parou. O urso ficou sem reacção. O bosque mergulhou em silêncio. Uma luz clara brilhava e uma voz vinda do céu disse:

- "Tu negaste a minha existência durante todos estes anos, ensinaste a outros que eu não existia e reduziste a criação a um acidente cósmico. Esperas que eu te ajude a sair deste apuro? Devo eu esperar que tenhas fé em mim?"

O ateu olhou directamente para a luz e disse:

- Seria hipócrita da minha parte pedir que, de repente, passes a tratar-me como um cristão, mas, talvez, possas fazer com que o urso creia em ti...

- "Muito bem", disse a voz. A luz foi embora.

O rio voltou a correr e os sons da floresta voltaram. E, então, o urso recolheu as patas, fez uma pausa, abaixou a cabeça e falou:

- Senhor, abençoe este alimento que agora vou comer. Amém!

João Tavares disse...

Haha boa anedota! E obrigado amigo Ricardo pela lembrança, :P de facto não é que seja propriamente grande fã de montanhas em si, mas Zakopane, é um lugar muito especial para mim, por razões do coração e também pela beleza da própria vila :)

Abraço!