domingo, 1 de novembro de 2009

Coisas de cemitérios

Quando nascemos em países cuja religião predominante é o catolicismo não podemos evitar que certas tradições da Igreja nos passem ao lado, como se diz em inglês you can run but you can't hide*, e no fundo são tradições que nos fazem sair um pouco do frenesim, banalidades, rotina e preocupações diárias para recordar aqueles que já não se encontram entre nós e nos fazem falta.

Tal como escrevi há um ano atrás este dia de Finados é vivido com grande frenesim em toda a Polónia especialmente junto aos cemitérios - na sua maior parte verdadeiras necrópoles - podemos ver uma autêntica maré humana com o preto como cor predominante. Junto aos muros estão as bancas dos vendedores de flores e de velas mas também os que vendem balões, pipocas, algodão doce, kiełbasa e afins.

Só na passada sexta-feira morreram nas estradas da Polónia mais de 20 pessoas em acidentes de viação, uma prova do movimento que este feriado religioso gera.  Em Portugal, apesar da grande agitação nos cemitérios, nunca vi nada que se comparasse a isto que observo na Polónia; são dias em que a polícia tem especial trabalho em ordenar o trânsito e manter a ordem pública. Se por um lado grande parte dos polacos se desloca de automóvel por outro o transporte público é ainda o meio privilegiado de se alcançarem os cemitérios. Nestes dias organizam-se inclusivamente linhas especiais e fecham-se ou abrem-se determinadas artérias para que o tráfego flua e os autocarros circulem mais rapidamente e sem atrasos.

Já é o quinto Dia de Todos os Santos que passo na Polónia, em todos eles o sol brilhou mas faz frio, aquele frio que nos faz arrefecer rapidamente o rosto e as mãos, um frio que me recorda outros finados, passados em Portugal, as idas a Amarante para por umas velas na campa da avó Rosalina - a mãe do meu pai - e visitar a campa de um bisavô que havia nascido no século XIX e tinha uns grandes bigodes farfalhudos.



O cemitério "Cmentarz Komunalny "Szczecińska"‎ tem aproximadamente um quilómetro de uma ponta a outra, não só é fácil perdermos-nos lá dentro como também não encontrarmos determinadas campas.



Leio os seus poemas e trechos de alguns dos seus livros, infelizmente não entendo grande parte do que escreveu mas são as palavras dele que ecoam na minha mente, ler algo que o meu sogro escreveu é em parte ouvir-lhe a voz e o pensamento.  Um sogro que nunca conheci, um avo que não conheceu os seus netos, como o outro avo que está noutro cemitério, a 3500 quilómetros deste. 

 O cemitério onde está enterrado o meu sogro Mieczesław Kucner - que nunca conheci pois morreu em 1992 - fica a cerca de três quilómetros de casa, trata-se de uma gigantesca necrópole na qual podemos sem grandes problemas fazer um ou dois quilómetros a pé, dentro do cemitério.
Das vezes que lá fui foram-me contando histórias de algumas das campas, numa está enterrado um serial killer que nos anos 80 violou e matou algumas raparigas de Łódź, a sua fotografia está com os olhos furados e riscada, noutro a campa de um jovem que morreu na passagem de ano em consequência de uma briga estúpida entre adolescentes bêbados e também vou lendo centenas de apelidos polacos, alguns inevitavelmente fazem-nos sorrir, como a campa da família Puta, ou da família Śmietana (creme).



 A campa de Paweł Ogaza fica ao lado da campa do meu sogro e deixa-me sempre triste. Não só partiu cedo desta vida como nem na morte se lembram dele. As flores são plásticas e as velas que vão sendo colocadas à sua memória são oferecidas por anónimos. Paweł morreu esfaqueado na passagem de ano de 1992 para 1993, uma agressão escusada tirou-lhe a vida aos 15 anos. Quando passarem 20 anos sobre a sua morte (Janeiro de 2013) e tendo em conta que ninguém da família mantém o local, a campa vai ser utilizada para outro defunto, Paweł Ogaza desaparecerá completamente. Coisas de cemitérios...





* Podes correr mas não podes esconder-te 

1 comentário:

Anónimo disse...

Deus te abençoe por tanta sensibilidade.
Aqueles que permanecem no nosso pensamento e coração,continuarão a viver.