A evocar os crematórios. Radegast ou Radogoscz foi uma estação de caminhos de ferro que tinha uma linha que acabava em Auschwitz e em outros campos de concentração da "solução final".
Hesitei antes de colocar este novo post mas afinal viver na Polónia tem destas coisas. Ora num dia estamos em pleno dia de Finados ora noutro damos por nós em locais históricos relacionados com o conflito de 1939-1945.
O dia estava solarengo e a convidar a um passeio, apesar do vento gélido que soprava. Peguei no carro e fui ter com o Rui, demorando apenas dez minutos a chegar à larga e movimentada avenida onde ele mora. O motivo da visita desta vez prendia-se com um mecânico que ele me recomendou e que fica mesmo ao lado da casa dele.
Conduzir na Polónia implica habituarmos-nos a estradas de asfalto irregular, a uns buracos de vez em quando, umas "lacadas", umas tampas de saneamento que parecem cápsulas de garrafas a saírem da estrada e, volta e meia, um pneu furado e substituição regular dos casquilhos de suspensão - aprendemos rapidamente a palavra wahacze (braço de suspensão) e uszkodzone (estragado).
A visita à oficina quase merecia um outro post mas tendo em conta que a reparação vai custar caro e neste momento é totalmente inconveniente para a situação financeira da família, prefiro nem mencionar mais nada...
Como o assunto foi tratado com celeridade e não havia muito mais a fazer senão combinar o dia e saber o preço do material e mão-de-obra acabei por ir com o Rui na spacer (palavra polaca que significa ir passear).
Moramos na zona de Radogoszcz em Bałuty, trata-se de uma imensa freguesia dentro da cidade de Łódź que, a bem dizer, são sobretudo zonas-dormitório e floresta, mais do que outra coisa qualquer.
A pouco mais de 300 ou 400 metros da casa do Rui fica a estação de caminhos de ferro de "Radagast", o nome dado pelos Nazis durante a ocupação de Litzmannstad (Łódź).
No pequeno museu da estação de Radegast podemos consultar as listas com os nomes dos deportados. Tudo está perfeitamente bem conservado, dactilografado em alemão em folhas A4 e organizado em cadernos. Os que foram levados para a morte têm um visto escrito a lápis ao lado do apelido.
Radegast foi palco do início da tragédia de milhares de famílias judaico-polacas. Łódź foi até ao final do conflito a cidade polaca com maior comunidade de judeus mas bastaram pouco menos de cinco anos para que isso mudasse radicalmente. Os grandes campos de concentração, ou de extermínio, ficavam a Sul de Łódź, perto de Cracóvia e Częstochowa e são tristemente célebres pelo seu nome de ocupação: Auschwitz-Berkinau (Oswięcim) e Treblinka (Brzezinka).
Em Łódź o gueto judaico foi isolado pelas tropas do III Reich e totalmente aniquilado ao longo da década de 40. Gradualmente os judeus-polacos foram separados e levados de comboio em vagões de gado, sem condições nenhumas, empilhados e sofrendo horrores que nem vale a pena escalpelizar. O processo de deportação da comunidade judaica e "limpeza" da cidade dessa minoria étnica chamava-se de Judenrein.
Este museu e os monumentos simbolizando o destino final e as mãos - a lembrarem-me as mãos que batiam nas portas das câmaras de gás, quando libertavam o Zyklon B - foi palco de alguma celeuma pelo seu custo elevado numa cidade que precisa manifestamente de obras. Polémicas à parte ninguém fica indiferente à simbologia presente neste local que foi inaugurado por o Presidente Kaczyński.
O gueto, construído rapidamente pelos Nazis, era no fundo um conglomerado industrial, alimentado pelas centenas de manufacturas e fábricas dos judeus-polacos, os detentores de grande parte do capital e grandes empreendedores da altura. Na nossa História de Portugal também não nos livramos das "judiarias", ou seja, do saque e violência contra os judeus sempre que o Rei precisava de "ouro". Assim o fizeram os Nazis com grande parte das riquezas da comunidade hebraica e bens que se encontravam no gueto, incluindo obviamente a mão-de-obra dos residentes.
Hoje em dia a estação de Radegast é um memorial dos mais de 230.000 judeus de Łódź que foram desalojados da cidade, a maioria deles não sobreviveu a guerra e passaram por aquela estação de comboios. Calcorrear aquele chão em pedra, aquela plataforma, ver a locomotiva a vapor com frases em alemão e dois vagões de gado, onde podemos entrar, é como viver um filme, sentir por um momento a inenarrável crueldade do ser humano para com o seu semelhante. Ocorre-nos no pensamento a pergunta - mas porquê? Como foi possível tanta crueldade? Foi possível.
Foto tirada com o telemóvel a um dos vagões de transporte. Os olhais para fixar as cordas aos animais e as pequenas janelas com arame farpado. Depois da guerra os comunistas iriam usar sistema semelhante com a diferença de levarem as vitimas para a Sibéria (opositores ao regime, intelectuais) abrindo as portas e deixando-as morrer de frio.
Tirou-se uma foto dentro do vagão. Os nossos rostos dizem tudo.
Foto tirada com o telemóvel a um dos vagões de transporte. Os olhais para fixar as cordas aos animais e as pequenas janelas com arame farpado. Depois da guerra os comunistas iriam usar sistema semelhante com a diferença de levarem as vitimas para a Sibéria (opositores ao regime, intelectuais) abrindo as portas e deixando-as morrer de frio.
Tirou-se uma foto dentro do vagão. Os nossos rostos dizem tudo.
Uma das locomotivas que levavam as composições. Fiquei na dúvida se teria esta cor nos anos 40.
Vista de Radegast a partir do miradouro construído de propósito há pouco tempo
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http://ruivilela.blogspot.com/2008/06/presidente-polaco-no-bairro.html
http://www.geocaching.com/seek/cache_details.aspx?guid=cfca0d1d-d961-4897-bd9f-f332f10fee80
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