Podia ter dado o titulo do tópico "coisas de carros" mas decidi cortar um pouco com a rotina. Como já tinha dito no tópico anterior o Rui Vilela indicou-me um mecânico da sua confiança após andar desesperado à procura de um que fosse apenas uma pessoa correcta e sincera.
Em Famalicão costumava ir com os carros a uma oficina na qual os mecânicos conheciam-me desde criança, vi-os envelhecer, lamentei a morte de um deles - o Sr. Adão - e continuo a desejar que pudesse levar os meus carros ao Sr. Mesquita. Mas aqui na Polónia não há Sr. Mesquita, nem Chico, nem nenhum dos seus mecânicos.
Para mal dos meus pecados não posso pagar reparações a "um bocadinho de cada vez" e nem sequer ter um electricista como o Sr. Jorge que por vezes - em coisas ridículas - nem sequer cobrava. Quando era miúdo era um momento de grande emotividade ver o Sr. Adão a conduzir o nosso Fiat 128 vermelho, havia sempre algo que se estragava ou desafinava e então o meu pai, que de carros apenas os conduzia, levava a máquina à oficina Adão&Mesquita. Nessas voltinhas do "vamos ver o que o carro tem", o Sr. Adão conduzia aquele Sport Coupé como devia ser, a fazerem-se ouvir as duas borboletas do carburador duplo Webber a cantarem alegremente pelas ruas de Famalicão! O carro parecia voar naquelas ruas que ainda eram na sua maioria em paralelo.
Mas ver os dois nos bancos da frente daquele carro é uma memória cada vez mais envolta numa bruma, só eu ainda cá ando. O meu pai deixou-nos há sete anos e o Sr. Adão há seis, o Fiat, depois de ter emigrado, ficou abandonado atrás do prédio onde morava e, de tão enferrujado que estava, foi enfardado numa prensa hidráulica em 2005.
Voltei aos carros italianos, tinha saudades deles, do design diferente, dos manómetros Veglia Borletti, dos espelhos Vitaloni, das jantes Cromadora, da Magnetti Marelli... Durante anos jurei nunca mais comprar um, o 128 havia causado uma relação amor-ódio, eram emoções misturadas com baldes de ferrugem, o inconfundível ronco do motor a par com avarias no distribuidor e nos gigleurs, piões e arranques que acabavam sempre por estragar algo nos tambores ou nos cardans.
Depois de um carro alemão voltei a um italiano. Devia ter comprado uma Alfa Romeo 156 SW a GPL (se há uns anos me dissessem que um dia gostaria de ter um Alfa ria-me na cara dessa pessoa) mas foi uma Lancia Lybra SW, um carro que usado tem um preço óptimo e que oferece muitas tralhas que em outros carros são extras caríssimos.
As estradas polacas tomaram conta dos elementos de suspensão, não há hipóteses de evitar o desgaste prematuro dos silent blocks, dos casquilhos e das ponteiras de direcção.
A oficina do Sr. Marek é muito simples, a típica oficina com quatro paredes e telhado recheada de ferramentas, peças de automóvel, uma VW pão-de-forma a ser restaurada atirada a um canto e calendários com meninas de mamas ao leu e stilletos. Cheira a óleo, a gasolina queimada e a pó mas ali fazem-se milagres e vemos o tal dizer polak potrafi (um polaco consegue) em todo o seu esplendor.
Se falassem português, tivessem cabelos escuros e sobrancelhas grossas diria estar em Portugal mas na conversa que vou tendo há palavras que não entendo e outras frases compreendo-as tirando-as do contexto, dizem-me uma piada mas sorrio pois não entendi o que queriam dizer, tinha a ver com carros mas não apanhei tudo, por vezes sinto-me como num filme em que de repente se esquecem de colocar as legendas.
Um Mazda acidentado é desempenado com umas correias atadas a um pilar, meia-dúzia de arranques em marcha-atrás e a longarina volta ao lugar, ali não há lugar para medições a paquímetro, tudo a "olhómetro", o farol e o pára-choques encaixam e não há folgas, está arranjado e pronto para a pintura.
O meu Lybra está pronto mas graças ao Mazda sinto as minhas roupas e cabelos impregnados do cheiro a gasolina queimada e borracha. Posso dizer que tenho finalmente um mecânico de confiança na Polónia!
Hoje fui com o carro fazer o przegląd techniczny ou seja o IPO. Passou. Apenas um escorrimento de óleo incomoda o inspector, diz-me que devia arranjar pois a polícia pode mandar-me parar e colocar um espelho por baixo do motor para ver se há fugas de óleo. Pode ser mas duvido que o façam amiúde em carros particulares.
Mais um ano de circulação, apesar de tudo, viva l'Italia!
3 comentários:
As nossas memórias comuns quase me levam às lágrimas.
Fico contente por teres um mecânico quase à portuguesa!?...
Para quem não tem gosto por carros, um carro é só algo para deslocações.
Mas sim, é muito mais do que isso para outros. Além do prazer que dá, são as recordações associadas que perduram. Felizmente o meu primeiro carro, e na família há 35 anos, ainda não foi enfardado. É o que dá comprar japonês em vez de italiano :p
Não é todos os dias que vejo uma matrícula com um lema.
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