Apercebemos-nos que os anos passaram a galope quando observamos os nossos filhos e as gerações mais novas. O meu filho mais velho (três anos e meio) tem uma verdadeira fixação por telemóveis e botões, quando não está a passar no Baby TV ou no Mini Mini os seus desenhos animados favoritos e se avizinha uma crise existencial infantil basta procurar no Youtube ou na Internet e carregá-los. Para ele um computador é algo natural, mais um dos electrodomésticos da casa, tão natural como foi para mim o televisor Grundig Sensotronic a preto e branco que estava no apartamento em São João do Estoril ou o rádio para os meus pais e o automóvel, para os meus avós.
A station do pai e da mãe do Manuel e do Marcel tem uma cadeira especial para ele se sentar e tem de estar sempre com o cinto de segurança colocado, como os pais. O mais pequenino (9 meses) também tem o seu "ovo" e os respectivos cintos de segurança. Os bancos têm encostos de cabeça que tiram a visibilidade e o tablier tem muitos botões e luzinhas acessas.
O carro do meu pai era um Fiat 128 Sport de cor vermelha, com duas portas e as únicas luzes no interior provinham do conta-quilómetros, conta-rotações, indicador do nível de combustível e temperatura do motor, mesmo assim eram um verde desmaiado que só de vez em quando mostravam um quadradinho verde e outro azul forte. Não haviam cintos de segurança atrás, nem sequer se usavam na frente - apesar de ter uns instalados que nunca eram usados. Percorremos milhares de quilómetros nessa Fiat, a maior parte em Portugal e alguns em Angola - mas nao me lembro desses.
Uma vez o meu pai bateu com o Fiat, quando vínhamos do Algarve e ao chegarmos ao Porto. Um autocarro dos STCP passou uma razia ao nosso carro e o veemente protesto do meu pai acabou por fazer-nos chocar com a traseira de um Fiat 124 Special T, cor de galão. A tampa da bagageira do 124 abriu de imediato e os farolins estilhaçaram. O nosso Fiat torceu o para-choques - daqueles cromados com escudetes - e fez uma pequena mossa no guarda-lamas. Apenas me lembro que paramos de repente com um estrondo mas nem sequer nos preocupamos se íamos sair disparados pelo para-brisas ou muito menos (obviamente) se os airbag iam amparar o choque, isso nem nos filmes de ficção-cientifica se via, apesar do airbag ter sido inventado no ano em que nasci, 1973, mas nunca comercializado por razões de custos de fabrico.
Telemóveis nem sequer sonhávamos, quando muito poderíamos ambicionar vir a ter um dia um daqueles intercomunicadores como na série Espaço 1999. Mesmo ter um mero telefone de rede fixa era caro, muitas famílias portuguesas iam ao café da esquina, ao restaurante ou aos CTT telefonar a "impulsos" que eram contados numa caixinha ao lado do guiché e pagos em escudos. E pensar que hoje em dia damos telemóveis velhos para os miúdos brincarem.
Mas o que continuo a considerar um verdadeiro privilégio foi o facto de ter passado a infância num meio pacato, sem violência, sem narcóticos, gangs ou poluição. Vila Nova de Famalicão, há mais de 20 anos ,era uma simples vila com uma igreja matriz, um campo da feira e meia-dúzia de edifícios nos quais se destacava o da Fundação Cupertino de Miranda e o da Câmara Municipal. Pouco havia para além disso, as ruas ainda eram em paralelo e a partir das 20 horas praticamente não via vivalma nas ruas! Eram realmente tempos em que se tinha mesmo de sair para a rua para não se morrer de tédio!
Joguei ao pião, com caricas, com uns aviões com elástico (Mirage?) e uns para-quedistas que eram muito populares na década de setenta, ao berlinde, ao quarto-escuro , às escondidas, à bola partindo vidros de vez em quando, fazíamos espingardas com elásticos de roupa, carrinhos de rolamentos, corridas com os carrinhos da Majorette e da Matchbox pondo azeite nos eixos para rolarem melhor - quantos deles não meti debaixo da linha do comboio junto com moedinhas de 2$50 e de 1 escudo?
Os miúdos "rachavam" frequentemente a cabeça ao correr desalmadamente pela colina que ia da escola primária (aquelas de modelo Salazar) até casa escorregando na areia da estrada e aterrando de testa no passeio. Joelhos esfolados, crostas, pensos rápidos e galos na cabeça eram frequentes.
E fazer cabanas com madeiras, paus e folhas? Foi uma das vantagens de morar numa cidade do interior como Famalicão. Havia muito espaço e muitas bouças (terrenos baldios) para brincar e fazer cabanas. Tínhamos uma serração do século XIX abandonada onde fazíamos cabanas com galerias! Uma verdadeira cidadela.
De vez em quando jogávamos à porrada com os putos do outro lado da linha do comboio (a linha separava as zonas) que queriam invadir o nosso território, essas cabanas na serração tinham uma cúpula de vigilância feita com o topo de um silo e uma saída de emergência que dava para a parte de trás dos prédios onde morávamos. Quando acabavam as ferias grandes era regra geral incendiar ou destruir tudo o que havíamos feito. Obviamente que os Lego foram parte fundamental das brincadeiras mas já me estou a alongar demais e isso dava para falar horas a fio.
Hoje em dia ganhou-se muito, sobretudo com as tecnologias da informação mas perdeu-se porventura muito mais. E a neve? As crianças polacas podem sempre brincar à pelota, nos trenós e até esquiarem e fazerem patinagem no gelo mas em Portugal só me recordo de ter brincado na neve apenas duas vezes, em nevões completamente inusitados que apareceram tão rápido como desapareceram.
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