terça-feira, 21 de outubro de 2008

Viver no Barco - I

Łódź em polaco significa Barco e é neste barco que me encontro desde 2004, ano em que decidi emigrar.


Não foi a primeira escolha de local para viver, apesar de ter passado um tempo fenomenal no Erasmus que fiz na Wyższa Szkoła Humanistyczna Ekonomiczna (WSHE), tendo conhecido a minha companheira nesta cidade, mesmo tendo casado por aqui ainda tentamos viver em Portugal mas todas as circunstâncias empurraram-nos para estas paragens.

Portugal encheu-me o saco, desculpem a frontalidade. Não o país em si, não a família ou os amigos mas o "Portuguese way of life" se é que podemos usar este neologismo. Foram frustrações em cima de frustrações, salários ridículos e horas extraordinárias que nunca seriam pagas, e depois uma situação de desemprego que na altura era geral na família!

Acima de tudo fomos vítimas das políticas de emigração que penalizavam todos os cidadãos portugueses casados com estrangeiros fora da União Europeia (casamos antes da adesão da Polónia à UE).
Fosse a minha mulher brasileira ou cidadã da União Europeia e tudo tinha sido diferente mas para os SEF não bastava o casamento para que ela se juntasse a mim e tivesse o tão ambicionado "visto de residência". Gastei muito dinheiro nos SEF em papeladas, selos e extensões do visto de turismo.
Quer em Braga quer no Porto eram hordas de emigrantes a pedirem vistos e extensões. Na Loja do Cidadão em Braga a funcionária disse-nos com um sorriso artificial que a "a Paulinha" (como se tivesse andado com ela na escola) teria de ir para o seu país e esperar pelo visto de residência. Prontamente lhe agradeci e disse que o melhor mesmo era emigrar para o país dela pois em breve ia ser parte da UE e tudo iria começar para aqueles lados.


Nós estávamos fartos da separação, de ansiedade e frustrados com as respostas que nos davam. A isto juntou-se mais uma vez o desemprego e como tal não foi preciso muito para que chegasse a casa e dissesse à Paula
"Start packing because tomorrow we go to Poland". Praticamente fomos viver para a Polónia com uma mão à frente e outra atrás, não fosse a ajuda das mães e teria sido virtualmente impossível a mudança.

E assim foi. Enchi metade do depósito, pois a abastecer totalmente só depois de atravessar a fronteira, despedi-me da minha irmã e do meu cunhado na noite anterior e da minha mãe de manhã e fizemos-nos de novo à estrada naquele Corsa 1.0 mas desta vez numa viagem de ida e sem volta programada. Quando atravessamos a fronteira (na Galiza) parei o carro para contemplar Portugal e meditar naquilo que deixava para trás, nas décadas que passei naquele país e nas memórias que ali deixava. Como sentia uma crescente mistura de revolta, frustração e tristeza decidi não sacudir o pó das sandálias mas ao invés arrancar a queimar pneu.

Chegamos a Łódź três dias e meio depois, completamente exaustos (dormi 18 horas seguidas!) mas com esperanças renovadas. Emprego encontramos passado pouco tempo e entretanto como a Polónia tinha aderido à UE não foi difícil obter o visto de residência ou Karta Pobytu.

Estou perfeitamente integrado na sociedade polaca com as devidas nuances em virtude de várias opções de vida como por exemplo não querer ter religião e como tal não participar na vida religiosa que muitos polacos vivem fervorosamente. Talvez esta seja a parte em que menos me integrei. Acabamos por não casar pela igreja apesar das pressões da família (sobretudo da família polaca) e decidimos, tendo em conta o livre-arbítrio, que o baptismo das crianças deverá ser escolha delas no futuro e em plena consciência. Se quiserem seguir a religião católica são livres de o fazer.

Fim do primeiro capítulo.




5 comentários:

Paulo Soska Oliveira disse...

Parabéns pela coragem!

João Tavares disse...

Olá Ricardo, parabéns pelo inicio blog! já à algum tempo que esperava pelas suas aventuras e historias na distante Polónia...

Tal como o Ricardo, também me deixei encantar por um olhar azul de uma linda Polaquinha, mas por enquanto e infelizmente ainda vivemos cada um em seu país de origem... mas que sabe se não terei de fazer uma escolha arriscada e mudar-me de malas e bagagens para a Polónia? talvez...

Por enquanto tenho que me contentar em vê-la quando assim é possível, neste momento será no Natal, ela vem a Portugal (já que no Natal passado fui eu que lá estive)e desta ultima vez passei o mês de Agosto lá, mas no sul da Polónia, Zakopane =)

Também como todos os vários bloggers "Misha, Divina Polónia, Tiago, Sem fim e você" fiquei apaixonado pela Polónia e o seu modo de vida, costumes etc...
Agora só posso desejar felicidades para o blog que certamente continuarei a acompanhar!

Abraço e Powodzenia!

Ricardo disse...

Obrigado pelos vossos elogios e carinho.

João. Desejo-lhe a maior sorte do mundo para os projectos que com certeza estão a ser planeados por vocês.

No meu caso não foram olhos azuis mas sim esverdeados, se bem que, de acordo com os padrões polacos, são olhos piwne, o que significa "cor de cerveja"! Mas como dizem que o amor é uma espécie de embriaguez sóbria menos mal...

Para quem está ainda em Portugal o ideal é tentar aprender polaco (eu sei que é um filme) e conseguir uma oportunidade numa empresa portuguesa que tenha investido nestas terras, os salários são incomparavelmente superiores aos salários "à la polaca" como o meu.

Não fossem certas promessas feita pelo meu patrão polaco e teria tentado a sério e a fundo concorrer a alguma empresa portuguesa.

Viver todo o ano na Polónia torna-se mais difícil no fim do Inverno, quando a neve começa a tornar-se um enfado, o gelo sujo e a neve derretida convertem-se numa lama preta. Longe vão os tempos em que ficava de sorriso de orelha a orelha quando nevava. Hoje em dia só me lembra que no dia seguinte terei de limpar uma camada de vários centímetros de neve do carro e raspar o gelo dos vidros! lololol

Fernando Pires disse...

Olá!

Muitos parabéns pelo blog...
Sao historias deste tipo que me fazem acreditar que realmente é possível...

Um abraco e felicidades!

bruno claudio disse...

"Como sentia uma crescente mistura de revolta, frustração e tristeza decidi não sacudir o pó das sandálias mas ao invés arrancar a queimar pneu "

adorei esta passagem. eu nem saudades tenho da terra de camoes. na eventualidade de ter de voltar ao sul da europa - espanha - barcelona. mas entre nós, a polonia está num periodo de transiçao curioso, entre uma conservadora massa de sociedade á antiga, onde predomina a lei do menor esforço e `processo lenrto e demorado, e uma parte da sociedade dinamica, jovem, criativa, com capacidade e vontade de desenvolvimento. em varsovia, está á vista o rápido desenvolvimento ao nivel institucional, nao falando do frenetico crescimento de construçao de infra-estruturas.
bom momento para estar e investir na polonia