terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Caleidoscópio - Polónia 2024


Votos de um Próspero Ano Novo a todos os leitores, amigos, familiares, à Comunidade Portuguesa e falantes de português residentes na Polónia. 

2024 - O ano em que se completaram os 50 anos da Revolução dos Cravos (e do 25 de Novembro) e uma aproximação vertiginosa ao "quarto de século". O tempo passa célere como a paisagem que muda e desfila na janela de um comboio de alta-velocidade. 


Familiares e amigos em Portugal por vezes perguntam se a guerra aqui ao lado se faz sentir e se de algum modo impacta o dia-a-dia de quem vive neste país da Europa Central. A resposta invariavelmente é, não. Desde a "Operação Especial" de Putin que à parte do influxo de refugiados ucranianos há uma consciência clara que nada será como dantes e que o maior problema da Polónia nunca foram catástrofes naturais mas sim os seus vizinhos, como tal tudo decorre dentro da normalidade com alguns ocasionais sobressaltos quando um míssil ou um drone russo direccionado à Ucrânia é detectado no espaço aéreo polaco.

Este ano prestes a chegar ao fim parece ser um baralho de cartas. Desde a reeleição de Donald Trump e todo o drama de uma campanha onde não faltaram tentativas de assassinato, ao bom estilo Norte-Americano, passando pela situação cada vez mais inverosímil de uma resolução do conflito na Ucrânia, o declínio da indústria automóvel europeia com o Grupo Volkswagen e o conglomerado Stellantis a ponderarem fecharem fábricas (na Alemanha) e a descontinuarem marcas de automóveis centenárias perante a força de uma China que começa claramente a apresentar uma vantagem competitiva, tecnológica e qualitativa nos EV (veículos eléctricos) e prestes a ser o líder do pelotão da indústria e na tão apregoada transição dos motores de combustão interna para os eléctricos. 

A BYD chinesa conseguiu ultrapassar tecnologicamente a concorrência europeia nos EV. Na imagem um dos navios BYD movidos com turbinas a gás. Outros tantos estão a ser construídos para exportar carros para todo o mundo. 


A Europa e os Estados Unidos, desorientados, ameaçam com tarifas, taxação e quotas num proteccionismo às exportações chinesas mas, tal como nos anos 60, 70 e 80 foi com as exportações dos japoneses da Toyota, Datsun-Nissan, Mazda, Mitsubishi e Subaru - já se sabe que não se pode parar a maré. A mudança de paradigmas é inevitável, o mundo já não é bipolar. BRICS, UE, NATO, Mercosur e tantas outras alianças e acordos mútuos e o desfazer de outros são uma reacção e resposta ao notório fim da hegemonia dos EUA e da Europa nos ditames do dito Xadrez Mundial.

2024 na Polónia 

O ano foi marcado por a continuidade das lutas políticas e lutas intestinais entre a coligação liderada por Donald Tusk e a "ressaca" dos anos do PiS no poder.

Maciej Wąsik (gravata vermelha), Andrzej Duda e Mariusz Kamiński. 

Investigações e diligências à administração do partido Liberdade e Justiça de Jarosław Kaczyński levou à descoberta e revelação de fraudes e abusos dos dinheiros públicos num escândalo de biliões (sim, leu bem, biliões) que levou à detenção, entre outros, de Mariusz Kamiński e o ex-deputado Maciej Wąsik. Refugiados no Palácio Presidencial onde prontamente Andrzej Duda os protegeu - apesar das acusações de abuso de poder - ambos recebem o perdão presidencial e também o asilo político dado por Viktor Orban, entre apupos ou vivas dependendo do compasso político. 
Como a detenção dos dois deputados ocorreu sem que Duda fosse informado pelas próprias forças de segurança, que entraram de rompante no Palácio Presidencial quando ele não se encontrava, a solução lógica seria um segundo perdão presidencial para os libertar, o que politicamente seria uma má decisão e fazendo orelhas moucas à pressão de Kaczyński o presidente decidiu esperar e pressionar a procuradoria para que libertassem os acusados. Esta atitude (dizem as más-línguas) fez com que Kaczyński e Duda se deixassem de falar.

Gostava de poder abortar o meu governo é um dos slogan dos protestos das mulheres polacas numa luta incansável pelos seus direitos.

A benesse e altruísmo de Duda não inclui, uma vez mais, as mulheres e os seus direitos, pelos quais têm lutado ao longo de décadas. Em Março revoga um projeto-lei para liberalização da pílula-do-dia-seguinte para todas as mulheres a partir dos 15 anos de idade mostrando a sua lealdade para com a Igreja Católica, o core do PiS e o eleitorado ultra-conservador.

Foi também ano de eleições autárquicas onde o PiS ganhou no número de câmaras municipais arrecadadas, sobretudo fora dos grandes centros urbanos e no Leste do país. Será isso um sinal do vencedor das próximas eleições legislativas? O tempo o dirá apesar da vitória da Coligação nas eleições seguintes, em Junho, para o parlamento europeu. 

A Leste nada de bom...

As fronteiras Leste da Polónia são agora e mais do que nunca uma fonte de preocupação e despesas imensas, diárias, com segurança e defesa. O enclave de Kaliningrad (agora Konigsberg), Bielorrússia e Ucrânia são foco de monitorização e no caso da Bielorrússia, de tentativas de atravessamento por parte de (ditos) migrantes-económicos e refugiados. Na realidade, a par e passo, constrói-se uma quase zona desmilitarizada ao estilo da que existe entre as Coreias. 
A gravidade da situação culminou nos finais de Maio quando uma patrulha polaca foi atacada por migrantes que tentavam atravessar ilegalmente a fronteira na zona da Voivoda de Podlaskie. 
No ataque foi interrompida a vida do soldado Mateusz Sitek aos 21 anos. 


A morte de Mateusz Sitek fez transbordar o copo de água. Até então o uso de armas de fogo por patrulhas fronteiriças polacas era restrito e até punido em tribunal marcial apesar do reconhecimento oficial das "guerras híbridas" de Moscovo e do cão de colo de Putin em Minsk - Lukashenko. Usar seres humanos para destabilizar o Ocidente e as fronteiras Leste da NATO é apenas mais uma das inenarráveis estratégias abjectas da Federação Russa sob o jugo de Putin. 
Desde o ataque que os soldados polacos passaram a ter apoio popular e suporte da Direita polaca para atirarem a matar se necessário, o uso de fogo real parece ter surtido efeito já que não só os ataques cessaram como as incursões, no entanto o impacto na natureza (a zona é parte da magnífica Floresta de Białowieża e património da UNESCO) e turismo faz-se sentir e irá repercutir nas próximas décadas.

 Foto: Stach Antkowiak - fronteira entre a Polónia e a Bielorrússia. 

O fim do ano e as perspectivas para 2025 parecem pautar-se com uma cada vez mais forte colaboração entre os estados bálticos e a Polónia em matéria de defesa enquanto com a Alemanha se degradam. Os alemães parecem querer jogar numa posição de distanciamento com os objectivos de Varsóvia, Estónia, Letónia e Lituânia no respeitante à defesa das fronteiras, defesa contra uma potencial guerra com a Rússia e guerras híbridas de e com Moscovo, numa tentativa de agradar a gregos e a troianos. 
A realidade é que a dependência energética dos alemães com a Rússia e os mega-projectos como o gasoduto Nordstream 2 podem estar, enquanto ruge a guerra na Ucrânia e as sanções económicas, relegadas para segundo plano mas parece cada vez mais evidente que a recente abordagem diplomática do chanceler Olaf Scholz com Vladimir Putin trás consigo uma intenção de restabelecer as futuras relações económicas com a Federação Russa. A desunião europeia também existe e usando a expressão emprestada da língua inglesa: Money talks! 

Renovados votos de bom ano novo para todos!


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