Este Verão, sem que realmente dera por isso, passaram vinte anos desde aquele dia em que com 29 anos me fiz à estrada, com a minha cara-metade polaca e o nosso Porquinho da Índia chamado Samba, ao volante de um Opel Corsa 1.0 de 1998. Já não era a primeira viagem entre os dois países mas seria a última naquele carro e, muito provavelmente, algo que hoje em dia não iria repetir com o conforto (relativo) dos voos low-cost e o avançar da idade que torna essas façanhas menos atraentes de se realizarem.
Recordo claramente ver pelo espelho retrovisor a imagem da mãe com a nossa saudosa cadelinha Bonnie ao colo num adeus pesado e um pouco mais tarde fazer uma longa pausa na fronteira entre Portugal e a Galiza para contemplar Portugal e, talvez, absorver a ideia que estava a tomar os primeiros passos para ser mais um emigrante português.
Não o mais comum emigrante que vive na França, Suíça, Luxemburgo, Reino Unido ou Alemanha mas sim na Polónia, um país que muito recentemente tinha aderido à União Europeia depois de anos de Socialismo e de um período conturbado de transição sendo pouco atraente para se começar uma vida. Certo que a Polónia não era novidade depois do intercâmbio de estudantes Erasmus-Socrátes que completei na cidade de Łódź em 2001-2002 e isso facilitou exponencialmente a adaptação.
O tempo viria a ditar que a decisão não foi errada apesar de precipitada por inúmeros factores que na altura pareciam ser cruciais para tal decisão. Em vinte anos a Polónia tornou-se um país bem mais atraente do que era em décadas anteriores, foi progressivamente desenvolvendo infraestruturas, indústria, serviços, turismo, saúde e um nível salarial que está muito próximo daquele de Portugal senão um pouco mais além porém nem tudo é um mar de rosas como é sabido. A nível de educação, apesar dos rigores e exigências do ensino, ainda não é receptivo a um modo mais diversificado fruto da influência religiosa nas escolas públicas e recentemente a nível político a liberdade de imprensa foi posta em causa após anos de hegemonia do partido conservador PiS. Ainda não é de venda-livre o contraceptivo feminino mas é o Viagra porque a erecção masculina parece ser mais relevante, não é legal o aborto e faz-se sistematicamente vista grossa às causas das mulheres em sucessivos governos, protesto após protesto.
A realidade é que a Polónia é um país eminentemente conservador com uma ligação forte à Igreja Católica e a valores patrióticos vincados, fruto da história sofrida, senão trágica, do país - algo que já mencionei prolificamente neste espaço de escrita. O hino polaco resume bem a resiliência de um povo que tantos tentaram aniquilar, segregar e vilipendiar sem sucesso. Jeszcze Polska nie zginęła,
Kiedy my żyjemy - A Polónia não desaparecerá, enquanto nós vivermos.
É precisamente neste arreigado patriotismo e orgulho nacional em resistir a tudo e a todos que se torna hoje em dia, para muitos, um exemplo de um país europeu que parece não vergar a outras culturas e ideais e onde há uma sensação de se estar numa Europa mais típica, mais próxima daquela em que se vivia há duas ou mesmo três décadas.
Sendo agora o guardião das fronteiras Leste da UE e da NATO com a Bielorrússia e a Federação Russa e toda a inenarrável sabotagem como as levas de imigrantes na fronteira em incursões literalmente planeadas por Moscovo para destabilizar a região, a Polónia torna-se um dos países com maior contributo do GDP para fins militares e um dos membros da NATO com um papel crucial na defesa da Europa democrática. Prevê-se que em 2025 os gastos com defesa passem para os 4,7% do GDP (1,55% para Portugal).
Em vinte anos de emigração há claramente um antes e um depois no âmago. Não se é (nunca mais) um típico português que apenas saiu de Portugal para comprar caramelos ou jamón serrano em Espanha ou gozar as praias do país vizinho. Relembro muitas vezes os anos 80 e 90 quando em Agosto chegavam aos magotes os emigrantes portugueses em França, os "avec" ou "franceses de Alcochete" como depreciativamente lhes chamavam. Vinham em carros com faróis amarelos, geralmente Renault, Peugeot ou Citroën e quase sempre falavam francês entre eles ou português misturado com francês como chamar coffre à bagageira do carro ou dizer que trabalhavam em ménage lá em França. Irritava aquele francês, parecia que se estavam a exibir perante os compatriotas que ficaram em Portugal a ganhar a vida em escudos, como os compreendendo agora!
A realidade é que se torna virtualmente impossível ser-se apenas português como se existisse uma porta virtual para entrar no estrangeiro e sair do mesmo para regressar a Portugal quando se chega a casa como se não houvesse outras gentes, outra cultura, outro idioma e tradições lá fora. Adaptamo-nos, ajustamo-nos e também nos mantêmos fiéis a características intrínsecas do português, talvez esteja no nosso ADN lusitano e seja o mecanismo de sobrevivência para combater essa sentimento tão nosso, tão português que é a saudade.
Com isto desejo a todos os leitores e amigos um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo! Bem Hajam!
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