sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Caleidoscópio - Polónia 2021 - Annus Horribilis (interminabilitatem)

Groundhog Day ou o Feitiço do Tempo, o filme de 1993 com Bill Murray como protagonista. Alguém se recorda? Um meteorologista presunçoso fica preso no mesmo dia vezes e vezes sem conta? Assim parece ser o nosso quotidiano desde finais de 2019. Nota-se que já vivemos num mundo diferente daquele que conhecemos antes do Covid19 mas creio que todos, sem exceção, estamos cansados de debatar este assunto. Muito mais está a acontecer ao nosso redor, nem só de pãoCovid19 vive o Homem... 


Brexit e Polexit? 

Rule, Britannia! Britannia, rule the waves! Britons never, never, never shall be slaves

"Governa, Bretanha!, governa as ondas! Os britânicos nunca, nunca serão escravos". Bateram a porta da União Europeia porque querem ou porque podem? A resposta serão as duas opções, porque queriam (uma parte dos britânicos que votou no referendo) e porque podem, são uma economia forte e um país que, a bem dizer, esteve na União Europeia mas sempre com um pé de fora, quer pela moeda da qual nunca resignaram quer pelo facto de nunca sequer terem aceite ser parte do Espaço Schengen, usarem o sistema imperial, tomadas de eletricidade diferentes, conduzirem do lado esquerdo da estrada e beberem chá a toda a hora... 

A Polónia do PiS de Mateusz Morawiecki e Andrzej Duda sob o escrutínio da eminência parda Kaczyński parece querer um rumo independente dos ditames de Bruxelas e dos acordos que foram assinados para fazerem parte da "família europeia". 

Somos europeus 

Não á UE

O desafio surgiu em Outubro quando o Tribunal Constitucional polaco decidiu que algumas leis da União Europeia não eram compatíveis com a Constituição polaca. Em outros posts deste blogue já tinha mencionado o atrito entre o partido no poder; conservador, arreigado a tradições e moral católicas que, alegadamente, representam os "valores" da Polónia e os grupos que sentem diariamente discriminação como a comunidade LGBTQ, as mulheres (e homens) polacos que não se revêm na atual lei do aborto, regulação de anticoncepcionais além da clara mordaça aos média que não alinham com a crescente instrumentalização dos meios de comunicação social em prol dos ideais do PiS. Contudo 


Andrzej Duda, o Presidente polaco vetou recentemente a polémica lei sobre os média que limitaria a propriedade dos mesmos existirem ou serem financiados com capital estrangeiro. Não se sabe ainda a reacção de Kaczyński. 

A resposta de Bruxelas no entanto atingiu diretamente os cofres do estado com a suspensão de ajudas para a pandemia no valor de 36 biliões de euros. Morawiecki respondeu com uma clara mensagem que chantagem não será o modo de resolver esta polémica que,  entretanto, esfriou a partir do momento em que a fronteira de 400 Km com a vizinha Bielorrússia se tornou um problema ainda mais grave para a Polónia e para a estabilidade política e territorial da União Europeia. 

Os guardas das fronteiras Leste da União Europeia


Durante décadas, no século passado, a Alemanha Ocidental, então denominada de RFA (República Federal Alemã), era o limite territorial do denominado 'mundo-livre' com a 'Cortina de Ferro' que constituía os países-satélite da então gigantesca URSS e aqueles do Pacto de Varsóvia. 

Dentro da RFA tínhamos Berlim - em enclave - o qual viria a ser o símbolo do colapso do Socialismo-Comunismo no Centro e Leste Europeu. Com a adesão da Polónia à UE em 2004 o 'testemunho' foi passado para este país da Europa Central. Agora as fronteiras alargadas passavam a ter a Polónia e posteriormente a Estónia, Letónia e Lituânia como tampão para a Federação Russa e os países das novas independências como a Bielorrússia e Ucrânia. 

Como tal lidar com a Federação Russa a nível geopolítico, estando a Polónia e parte da Europa dependente energeticamente do gás providenciado pelo gigante russo Gazprom é ter de agradar a gregos e a troianos, agravado ainda com a sempre tensa relação entre a NATO, Rússia e Estados Unidos - e ao mesmo tempo assegurar que eventos passados como uma invasão ou guerra não voltam a ocorrer são um fardo pesado e custoso. 

Putin frisou várias vezes não querer a NATO a expandir para Leste e recentemente o apoio em material militar dado pela Aliança Atlântica à Ucrânia, justificado pela concentração anómala de tropas russas na fronteira Leste desse país vizinho da Polónia parece poder causar um potencial retorno de uma Guerra Fria (V.02) e um vislumbrar da Ucrânia como membro da NATO...

O líder da Bielorrússia, Lukashenko, ripostou com uma crise humanitária às portas da UE depois das sanções económicas impostas pela UE, Reino Unido, Canadá e Estados Unidos pela cavalgante ditadura que se vive naquele país, especialmente na sequência do desvio de um voo da Ryanair com destino a Vilnius para Minsk de modo a encarcerarem um jornalista (Roman Protasevich) que veemente se mostrava contra o regime de Alexander Lukashenko. 

Esta crise fronteiriça elevou ainda mais o já exacerbado patriotismo em parte da sociedade polaca. Nas redes sociais em resposta ao vídeos onde se vê a polícia polaca a responder com gás lacrimogéneo e canhões de água a tentativas de corte e trespasse das barreiras fronteiriças surgem frases como Polska góra (Polónia em grande!), Murem za polskim mundurem (Muro com uniformes) e até TikTok's, vídeos no YouTube, Twitter etc com jovens polacos a mostrarem a sua Książeczka Wojskowa ou seja, a cédula-militar; prontos a irem combater pela pátria caso fossem chamados. Uma certa histeria, fruto de excesso de informação, contexto histórico de invasões e perda de independência do país (a última prolongou-se por 123 anos) e patriotismo levaram a tal situação. 

A Polónia respondeu rapidamente, sem ajuda externa, contendo diáriamente provocações do exército bielorusso tais como tentativas de ofuscar e cegar os soldados e autoridades polacas com luzes potentes e lasers, fornecimento de utensílios de corte de arame farpado aos refugiados e emigrantes, despejo de emigrantes e refugiados ao longo da fronteira incluindo com a Lituânia.

Entre estes 'jogos de guerra' ficam seres humanos - refugiados, migrantes-económicos ou o que seja que os levou a tentarem uma vida na União Europeia - sujeitos a temperaturas negativas, vaguearem na floresta de Białowieża sem conhecimento da mesma, hipotermia, má-nutrição, casos de morte, maus-tratos e incerteza sobre o futuro. Os rigores do Inverno levaram a que (finalmente) se abrigassem os refugiados em campos de refugiados do lado bielorusso. A crise contudo está longe de ser resolvida, quando muito estará ao ralenti até que chegue a Primavera ou até que hajam negociações sérias e eventualmente uma mudança democrática na Bielorrússia. Mesmo assim continuam a haver refugiados e emigrantes ilegais a tentarem a sua sorte rumo à Alemanha. 

Veremos o que nos trará 2022. Como disse em tempos João Pinto, o capitão do Futebol Clube do Porto: Prognósticos só no fim do jogo...








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