O homem nasce livre e em toda parte está acorrentado. Aqueles que se julgam senhores dos outros são de facto maiores escravos do que eles. Jean Jacques Rousseau no século XVIII
Evito a todo o custo ter de escrever o nome Jarosław Kaczyński, não gosto do homem, do partido dele, dos seus ideais e da Polónia que ele representa, ou quer representar, e em geral dos seus apoiantes, respeito a decisão deles e aceito-a pois esse é o pilar de qualquer democrata, rejubilar na Vitória e aceitar a derrota. Actualizar o blogue escrevendo sobre este personagem da História contemporânea polaca é "porque tem de ser".
Desde o início desta última semana de Outubro, entre um novo surto da pandemia e o regresso ao confinamento, o Tribunal Constitucional da Polónia decidiu levar a aprovação no Sejm (Parlamento) a proibição quase total do aborto que, assinale-se, já era restrita a casos de defeito do feto, risco de vida da progenitora, violação e incesto.
Esta decisão política foi tomada em pleno surto do Covid19, entre alertas via SMS do "ALERT RCB" (Proteção Civil) quase diários alertando os cidadãos para ficarem em casa e acederem a aplicações e páginas governamentais sobre a pandemia incluindo uma nova aplicação denominada STOP COVID que, consta, nem foi considerada segura por empresas de segurança informática.
As reações foram imediatas e piores (para o governo) daquilo que se imaginava. As mulheres polacas ficaram incrédulas, lívidas, com a audácia dos juizes do Tribunal Constitucional e com o plano, viscoso, do PiS em ir avante com esta decisão numa altura em que a pandemia toma proporções graves com o regresso ao uso de máscara na via pública, escolas e instituições fechadas e o número de infetados que aumenta esponencialmente à medida que os testes se fazem com mais frequência.
Elas saíram à rua imediatamente
Envergavam cartazes e banners com dizeres, muitos deles com insultos, como wypierdalać (vão-se foder) e muitos outros a insultar o PiS, Jarosław Kaczyński, ministros e senadores do partido conservador. Nunca se tinha visto algo assim, insultos, calão, escárnio. É mais do que um protesto, é um não se poder mais, é ter de se abrir uma janela para entrar ar fresco, uma tensão no ar como aquela que tantos portugueses tinham dentro de si até chegar o dia 25 de Abril e se poder gritar a plenos pulmões sem receio, sem querer saber de quaisquer consequências: Liberdade sim! Fascismo nunca mais! e O povo unido jamais será vencido!
O canal estatal tentou não dar grande importância aos protestos focando-se na pandemia e focando o quão maus são os manifestantes enquanto nas ruas de Varsóvia, Cracóvia, Poznań, Gdańsk, Łódź, Wrocław e outras cidades os protestos não paravam, não param. Juntaram-se homens às mulheres, os taxistas também se fizeram ouvir e posteriormente em algumas cidades a própria polícia baixou a guarda e juntou-se aos manifestantes. Nas redes sociais às fotos de perfil acrescentaram-se um relâmpago vermelho, símbolo deste movimento e da luta das mulheres polacas pelos seus direitos numa guerra para combater o piekło kobiet - o inferno das mulheres.
As catedrais foram pela primeira vez na História da Polónia alvo dos protestos com missas interrompidas havendo mesmo confrontos com os fiéis. Estas tornaram-se lugar de passagem dos manifestantes tal como as sedes do PiS (como na imagem acima).
Rapidamente o "Exército de Deus", os "Escravos de Maria" - elementos da Extrema-Direita polaca mobilizaram-se, instigados por Kaczyński e os seus verdugos, colocando-se estes em frente das portas, barrando os potenciais invasores. Alguns dos que protestavam foram agredidos sem que a polícia se incomodasse em resolver alguma altercação. Tudo numa cumplicidade a recordar os Camisas Negras de Mussolini que davam pauladas na oposição a mando do Duce de Itália ou a génese do Nacional Socialismo alemão com as SA que destruíram os pontos de comércio dos judeus espancando-os nas ruas, espalhando o terror, criando bode-expiatórios para os problemas graves que infligiam a nação alemã no pós-Tratado de Versalhes.
Kaczyński não esperou a oportunidade para aparecer nos média. Com um aspecto cansado, mãos pálidas colocadas na mesa, um pin na lapela com o símbolo da resistência polaca, a kotwica (âncora com um P) - foi posteriormente severamente criticado pela ousadia - e três bandeiras da Polónia no fundo. Apelou, num discurso incendiário, ao combate àqueles que estão a atacar as igrejas e os valores polacos que estão a ser destruídos - zniszczony (destruídos) - palavra usada várias vezes ao longo do discurso.
Mais manifestações são esperadas nos próximos dias e o apelo de Kaczyński não surtiu o efeito desejado. Muitos dos ultras do futebol polaco que supostamente dariam cobertura à guerra-civil instigada por o Pan Prezesie (chefe) não reagiram e inclusivamente mostraram-se contra o governo sobretudo contra o presidente do PiS enquanto o Primeiro-Ministro polaco, Andrzej Duda, infetado com Corona, disse brevemente, senão timidamente, que "compreende as mulheres". Assinale-se que a sua filha e a Primeira-Dama claramente se mostram contra.
Os próximos dias trarão mais novidades, está tudo em aberto.
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