terça-feira, 6 de maio de 2014

Escapadinha em Świętokrzyskie (Santa Cruz)


O 1º de Maio na Polónia é um feriado comemorado com imensa alegria, não tanto pelo significado simbólico da data e homenagem a lutas que a "inexorável marcha do tempo" se encarrega de apagar da memória colectiva mas também pela proximidade do feriado de 2 de Maio ou Dzień Flagi (Dia da Bandeira) que acaba por gerar umas mini-férias para muitos polacos. 





Quem trabalha por turnos nunca sabe se poderá gozar estes dias de lazer mas este ano, em virtude de ter trabalhado durante a Páscoa, lá consegui ter uns dias livres e, usando a velha máxima portuguesa de "fazer férias cá dentro", aproveitei-os para conhecer mais um pouco deste imenso país que é a Polónia. Depois de ter verificado a pressão dos pneus, os níveis de óleo e água e de abastecer o tanque de GPL para uma viagem em família a duzentos quilómetros de Łódź fizemos-nos à estrada para a Voivodia (província) de Świętokrzyskie (leia-se Ch-viento-qjech-quié) a Sudeste.

Os visitantes da Polónia costumam ficar com a impressão que este país é uma imensa planície o que é em parte verdade mas a Sul, principalmente as províncias de Świętokrzyskie (Santa-Cruz), Kujawsko-pomorskie (Cujavia-Pomerânia), Opole (Opole), Śląskie (Silésia), Małopolskie (Pequena-Polónia) e Podkarpackie (Subcarpácia) apresentam relevo que vai gradualmente aumentando até aos 2499 metros na cadeia montanhosa dos Tatras nos Cárpatos abrangendo a fronteira com os vizinhos da Eslováquia e a cadeia dos Sudetas na fronteira com a República Checa a Sudoeste.

Santa Cruz é uma zona geológica antiquíssima de montanhas e colinas com uma altura máxima de 600 metros acima do nível médio das águas do mar devido à erosão sofrida ao longo de eras geológicas remotas - quando os continentes ainda se encontravam em formação. Foi nessa província que se encontraram vestígios da presença de Tetrapodes (antecedentes dos dinossauros) num período que se situa a uns distantes 250 milhões de anos.






O pequeno museu local em Łysa Góra (Montanha Careca) foi construído no local de escavações arqueológicas realizadas no século XX revelando a vida das populações no inicio da Idade Média em séculos muito anteriores à formação da Polónia. Gentes com modos de vida simples que se vieram a saber pelos inúmeros vestígios de fornos em barro e utensílios em ferro. Curiosamente é um dos locais na Polónia onde se escavaram sestércios e dinheiros do Império Romano, um facto extraordinário tendo em conta que estes nunca sucederam nas batalhas com os povos bárbaros em grande parte pelas condições climatéricas desfavoráveis e a quase impenetrável floresta europeia que, nesses tempos, era cerrada, abundante e rica. Não havendo batalhas e conquistas havia comércio com as populações locais.



A grande atracção turística é o Parque Nacional de Santa Cruz (Świętokrzyski Park Narodowy) e o caminho florestal para o mosteiro da Santa Cruz (500 metros a subir entre árvores e pedras) em  Łysa Góra construído no século XII. Reza a lenda que o nome se deve a uma relíquia - um fragmento original de madeira da cruz de Cristo - que lá se encontrava escondida. Durante a conturbada História da Polónia o mosteiro foi parcialmente destruído e reutilizado primeiro pelos russos, durante as Partilhas da Polónia, como prisão e posteriormente pelos Nazis durante a II Grande Guerra onde ironicamente foi local de execução e aprisionamento de soldados... russos. Na vala comum, no cume da montanha, encontram-se as ossadas de mais de 6000 militares soviéticos. Uma História de tal forma macabra que é melhor não detalhar...



No pós-guerra o mosteiro foi parcialmente restaurado encontrando-se actualmente totalmente renovado mesmo ao lado da Torre de Televisão de Santa Cruz (a mais alta da Polónia) construída durante o regime comunista em 1966.



A entrada no parque de estacionamento é paga a 5 PLN (1,20€) e o bilhete para entrada no Parque Nacional a 10 PLN (2,39€) para adultos (gratuito para crianças). A imensa mancha florestal de abetos, pinheiros e carvalhos é cortada por um caminho pedonal relativamente largo mas íngreme ao inicio e o solo pedregoso foi aproveitado pelos crentes para o comparar ao Calvário de Cristo. Ao longo da subida construíram-se pequenas "alminhas"  com figuras artesanais em madeira representando cenas do percurso da Via Dolorosa. Os 500 metros até ao mosteiro de Santa Cruz fazem-se sem grandes dificuldades excepto nos últimos metros onde se torna bastante íngreme fazendo-se a passagem por uma espécie de ponte. Na realidade existem dois meios de aceder ao cume; um pelo caminho pedonal e outro por estrada - o mais usado por peregrinos e visitantes - que é feito contornando a montanha de Łysa Góra.

Muito mais há a visitar na Voivodia de Santa Cruz mas o objectivo da "escapadinha" era sobretudo um afastar necessário da cidade de Łódż com as suas obras por todo o lado e os engarrafamentos aos quais já nem vale a pena protestar, buzinar ou praguejar seja dito em polaco ou em português.

Nas águas-furtadas da casa de turismo de habitação onde ficamos hospedados a lareira crepitava durante a noite (foram uns dias com noites frias e húmidas) e durante o dia das janelas dos quartos o verde e amarelo dos campos de cultivo enchiam a vista em contraste com o horizonte de prédios, avenidas e ruas de Łódż tal como chilrear de centenas de aves pela manhã e o ar fresco vindo dos montes e campos que inspiram projectos de vida que se desejam passar por estar em comunhão com a natureza e preferencialmente num modo de vida auto-sustentável. E porque não na Polónia?










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