quinta-feira, 17 de abril de 2014

Coisas da Polónia e de Portugal


Duas nações europeias; ambas com uma longa História, Polónia e Portugal. Diferenças e semelhanças culturais que se começam a ver (e a discutir) numa Europa unida pelo "grande projecto europeu" que, com as suas virtudes e defeitos, tem contribuído para a dita globalização e o ideal onde não hajam mais guerras fratricidas e onde floresça o sentimento de se ser europeu - ainda que na prática os interesses económicos se sobreponham aos ideais dividindo a União Europeia na dos ricos e na dos pobres. 

 - Porque motivo és rico e eu sou pobre? - O meu pai e a minha mãe têm empregos bem remunerados para trabalharem precisamente nesse problema...


Portugal e Polónia estão na liga dos "pobres" da UE ainda que, quando em comparação com outras nações deste planeta onde a escassez de alimentos e água potável é tal, nos apercebemos que de facto vivemos no lado rico do globo e porventura nos queixamos de barriga cheia preocupados com trivialidades que vão do carro que gostaríamos de ter ao telemóvel que trocamos porque sim. 

A Polónia teve sempre de resolver conflitos com os seus vizinhos do Ocidente e do Leste e as suas fronteiras expandiram-se e contraíram-se inúmeras vezes enquanto que Portugal, salvo os sessenta anos de ocupação espanhola durante a crise dinástica que nos trouxe os Filipes de Espanha, manteve as suas fronteiras conquistadas aos castelhanos e ao mouros e construiu um império colonial colossal que aumentou o seu território para um tamanho imensamente maior do que aquele que o originou. Fomos conquistadores e exploradores, porventura os primeiros globalistas mas também fomos esclavagistas e carrascos, destruidores de civilizações em nome da Coroa e de Deus. 

A Polónia chegou a desaparecer do mapa durante a sua trágica e ao mesmo tempo heróica História e nos anos quarenta do século XX enquanto Portugal mantinha a sua neutralidade junto com a Espanha a guerra rugia violentamente neste lado da Europa. Mais tarde separam-se ideologicamente com o Pacto de Varsóvia. Portugal vive em Ditadura durante quase cinquenta anos e a Polónia por igual período mas em Socialismo - sob o olhar atento e rédea curta da URSS. São décadas conturbadas para todos onde a oposição vive em clandestinidade e a ameaça de uma guerra nuclear paira no ar.

O fim do império português com as independências em Angola, Moçambique e Guiné (recordemos que Timor foi abandonado e posteriormente invadido pela Indonésia) depois do golpe de estado do 25 de Abril de 1974 abre-nos caminho para a adesão à então CEE e posteriormente UE com mudanças de fundo num país eminentemente conservador e estagnado no tempo. A Polónia entretanto lutava contra um regime totalitário tendo como figura icónica da oposição Lech Wałęsa, o Sindicato Livre Solidariedade e também o "terramoto" que foi para os comunistas a eleição de um polaco para Sumo Pontífice. 1989 marca o fim do Socialismo na Polónia e como efeito dominó na RDA, na Europa Central e de Leste e finalmente todos os países-satélite ocupados pela URSS.

O século XXI marca a gradual adaptação destes países ao estilo de vida ocidental e à economia de mercado. Em 2001 quando vim estudar para a Polónia os resquícios do regime Socialista eram ainda visíveis, muito mais do que aqueles que ainda hoje se podem observar em certos hábitos como por exemplo, as filas onde as pessoas se encostam umas às outras, a burocracia e formalidade nas instituições e no Estado e de certo modo na corrupção que gradualmente se tem vindo a combater onde um exemplo de mudança interessante são as forças da autoridade. 


A adesão à UE é provavelmente a maior viragem histórica da Polónia pelo facto de simbolicamente representar o virar de costas ao Leste, sobretudo à Rússia. Esta adesão permitiu o crescimento exponencial das exportações, dos negócios com o estrangeiro e igualmente do investimento estrangeiro, atraído pelos custos relativamente baixos da mão-de-obra especializada, das vantagens em adquirir terrenos para investimento, dos custos operacionais e sobretudo os salários baixos e os quase inexistentes benefícios sociais (não há subsidio de férias e de Natal por exemplo) quando em comparação com a média da UE. 

Na Polónia actual sente-se notoriamente uma divisão da sociedade entre as novas gerações que já nasceram em liberdade e que em muitos casos relativizam ou desconhecem a importância de certos valores enraizados na cultura polaca como a religião, a família e o patriotismo. Diria que mais do que nunca a sociedade polaca divide-se não só nos valores mas também nas classes sociais sobretudo na classe média-alta com poder de compra que vive agora em condomínio-privado, em confortáveis vivendas rodeadas de medidas de segurança draconianas, nos automóveis topo-de-gama e nos SUV comprados novos, nas roupas, calçado e acessórios de marca que ostentam, nos restaurantes e clubes que frequentam regularmente e nas férias que passam em países distantes. 

Pode-se viver num dos dois mundos ou conviver com os dois desde que se conheça gente suficiente. Sair de um BMW X6 ou de um Porsche Panamera de amigos ou amigas para um velho Fiat Seicento ou para um eléctrico para acompanhar colegas ou aquela miúda gira que se conheceu numa festa é algo que ocorre com facilidade pelos contrastes cada vez mais notórios da sociedade polaca. A tolerância à diferença é também uma das cause célèbre entre os polacos especialmente desde que os movimentos gay se manifestaram em protesto pela discriminação juntando-se ao polémico partido Movimento de Palikot fundado pelo politico com o mesmo nome. 

São novos tempos que se vivem numa Polónia que procura acompanhar e se possível ultrapassar os velhos parceiros europeus e que se reflecte nas mudanças que gradualmente se vão sentindo desde a discussão sobre o ensino de educação sexual nas escolas, o direito à união de facto entre homossexuais, ou o aborto passando por algo tão simples como a venda de contraceptivos femininos sem recurso ao médico de família. 




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