domingo, 18 de agosto de 2013

Domingo em Varsóvia - Parte II


Deixando o Palácio da Cultura e Ciência para trás caminhamos brevemente pela avenida Marchałkowska em direcção à agradável rua Nowy Świat (Novo Mundo) com os seus inúmeros restaurantes, cafés, bistrots e esplanadas ornadas com flores.

Na preferência por uma refeição vegetariana entramos num pequeno restaurante onde duas jovens nos indicam que seria melhor irmos ao restaurante chinês ali ao lado pois elas não têm grande oferta de menus para vegetarianos. A bandeira multicolorida no balcão indica que são pró-gay ou gay algo pouco provável de se ver em Łódź, pelo menos tão explicitamente. Desfazendo o mito que os varsovianos são pouco simpáticos a jovem vai connosco até ao fim da rua indicando-nos o local.
Num restaurante chinês, ou melhor, asiático, pois na Polónia quase sempre são propriedades de vietnamitas ou de emigrantes da Indo-China, consumimos uma refeição vegetariana que verdadeiramente encheu o estômago revitalizando-nos para a próxima jornada de cerca de quatro quilómetros de Nowy Świat até à Stare Miasto passando pelo túmulo ao soldado desconhecido no Jardim Ogród Saski e praça Józef Piłsudski.



Chegados ao Ogród Saski deparamos-nos com obras e taipais que retiram grande parte da visibilidade do monumento ao soldado desconhecido. Uns franceses abrem espaço numa greta para a furtiva fotografia aos soldados que marcham compassadamente em volta do monumento empunhando uma Kalashnikov ao ombro.

Algo decepcionados atravessamos o jardim prontamente esquecendo o percalço ao observar a fonte de grande beleza que ali existe e escutando ao vivo As Quatro Estações de Vivaldi tocadas lindamente por músicos de uma academia varsoviana. Tudo muito ao estilo da Europa Central, com público ordeiro e agradecido e os músicos e maestro vestidos a rigor apesar da canícula que se fazia sentir.

O Palácio Presidencial onde há algum tempo atrás estalou a "guerra da cruz" entre as facções ultra-conservadoras da Igreja Católica e o Estado polaco - laico - depois da morte da comitiva presidencial no desastre aéreo de Smoleńsk. A cruz foi finalmente retirada a muito custo.

Dali há que ver o conhecido monumento a Nicolau Copérnico na rua Krakowskie Przedmieście onde o mesmo segura na mão esquerda um símbolo conhecido da nossa bandeira, a esfera armilar, e na mão direita um compasso. Ao seu redor as orbitas dos planetas do sistema solar em redor do astro-rei - teoria do heliocentrismo considerada pela Igreja do seu tempo como heresia e que mais teria viria a ser provada efectivamente pelo navegador português Fernão de Magalhães na sua viagem de Circun-navegação.
Finalmente chegamos à conhecida Praça do Castelo com a Coluna de Sigismundo (kolumna Zygmunta III Wazy). Erigida no século XVII a coluna tem a figura do rei Zygmunt III que transferiu a capital da Polónia da cidade de Cracóvia para Varsóvia no ano de 1596. Alvo de restauros nos séculos posteriores foi em 1944 que sofreu os maiores danos ao ser abatida pelos Nazi durante o cerco a Varsóvia. Pouco resta do monumento original salvo a estátua que foi obra de um profundo restauro no pós-guerra. No Palácio Real, ali ao lado, ainda se podem ver as pedras originais.
Toda a Stare Miasto ficou irreconhecível depois de 1945. A capital polaca era uma ruína e um cemitério onde os cadáveres de civis e soldados se encontravam nos escombros. Não me esquece o testemunho de uma senhora polaca, amiga da família, que ainda jovem ajudou na reconstrução e na tarefa dura de recolher ossadas entre os amontoados de cinzas e pedras que restavam.

Tudo o que vêem foi reconstruído no pós-guerra. O plano dos Nazi era arrasar e terraplanar Varsóvia construindo Warschau, uma pequena cidade alemã com 130.000 habitantes.
Varsóvia tem de ser pacificada, ou seja, deitada abaixo.Adolf Hitler em 1944


O plano havia começado antes da II Grande Guerra e denominou-se de Plano Pabst. A ideia seria a de haver uma cidade construída de raiz com alemães numa das margens e escravos eslavos da outra. A população de milhão e meio de habitantes seria totalmente dizimada junto com as grandes avenidas e ruas históricas, monumentos, palácios e pontos históricos da nação polaca incluindo o Castelo Real que seria substituído por a residência oficial de Hitler em Warschau.

Caminhar nas ruas da Stare Miasto é também saborear a vitória e o renascer da Polónia mas sobretudo a derrota da demência dos nacional-socialistas e dos seus projectos megalómanos.


Um delicioso gelado numa das esplanadas da Praça do Castelo foi o culminar da visita numa altura em que nuvens escuras começavam a ocultar o azul do céu em fim de tarde ameaçando os turistas e varsovianos com uma tempestade.
O taxista que nos levou dali até à estação de Warszawa Centralna voltou a provar que afinal os varsovianos também são simpáticos e que as queixas que fazemos de Łódź, da corrupção na Câmara Municipal, dos vereadores, dos políticos e do dinheiro que desaparece misteriosamente também se sentem na capital da Polónia. Deu exemplo de um cliente, músico profissional, que lhe dizia ter a proposta de tocar a troco de um cheque de 5000 PLN sendo que metade iria para "alguém" e o resto para ele. Pequenas conversas de táxi que de certo modo espelham um problema contemporâneo e transversal à Polónia, à Itália, a Portugal, ao Brasil, aos EUA e a todo o mundo. Como dizia o meu avo Ernesto, anda meio mundo a enganar outro meio...
E assim a bordo de um comboio ainda mais velho que o anterior e igual àquele que me levou de Varsóvia a Łódź em 2001 para o meu intercâmbio Erasmus - excepto pelos tecidos das cortinas e estofos que são diferentes - chegamos de noite a Łódź com as suas avenidas e ruas entrecortadas por os tramway. 
De Łódź Kaliska a nossa casa são cerca de oito quilómetros em linha recta, através da larga Avenida Wółkniarze mas dali nada de assinalável a ver, apenas prédios, estações de serviço e o gigantesco supermercado Tesco que está aberto 24/7. Os Estalinistas não precisaram de erigir um Palácio da Cultura em Łódź nem nenhum monumento assinalável.

No final de contas Varsóvia é Varsóvia; a capital da Polónia desde há muitos séculos e por pouco não desapareceu do mapa ao contrário de Łódź.

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