sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Domingo em Varsóvia - Parte I


Um domingo soalheiro, crianças a acordar cedo e uma há muito prometida viagem de comboio foi o mote para justificar uma visita à capital da Polónia. Łódź e Varsóvia distam cerca de cento e trinta quilómetros e são duas das grandes metrópoles polacas.

A  syrenka (sereia), símbolo da cidade de Varsóvia.  


Varsóvia é Varsóvia, a capital da República da Polónia e o centro nevrálgico da nação polaca. Łódź velha e desbotada, sobrevivente ao conflito de 1939-1945 não consegue ombrear com a maior parte das grandes cidades polacas, mais turísticas, melhor conservadas e com melhor qualidade de vida. Varsóvia, Poznań, Cracóvia e Gdańsk jogam noutra liga por isso nada como mudar de ares e regalar os olhos no skyline da moderna Varsóvia e na esplêndida stare miasto (cidade velha) totalmente reconstruída depois da II Guerra Mundial, um contraste assinalável entre épocas distintas onde também podemos apreciar os vestígios da Polónia comunista em contraste com o capitalismo e a economia de mercado - ou será sociedade de mercado - como a guitarra do Hard Rock Cafe com o Palácio da Cultura e Ciência em fundo. Nas poucas horas que tínhamos visitamos - ou revisitamos - alguns dos marcos turísticos mais significativos da cidade da sereia. 

O meu pedido de desculpas aos compatriotas em Varsóvia por não me anunciar mas uma visita-relâmpago com dois pequenos tufões a acompanhar-nos desde Łódź não permitem a paz e atenção necessárias ao tempo que dedicamos aos amigos e às boas conversas que sempre advêm no encontro ou reencontro com portugueses em terras polacas.

O comboio de Łódź Kaliszka a Warszawa Centralna demora um pouco mais de duas horas. Nunca sabemos que tipo de composição nos espera, ou uma moderna que não deve nada a outras da Europa Ocidental ou àquelas que nos levam a viajar no tempo... Desta vez, na ida, tínhamos uma locomotiva relíquia da PRL (República Popular da Polónia) devidamente modernizada, ou seja, pintada de fresco, e vagões pós-comunistas com novas cortinas e tecidos nos bancos onde não faltava o ar-condicionado e as portas automáticas ainda que uma tenha estado quase sempre aberta durante toda a viagem só voltando a fechar já quase na estação de Warszawa-Ochota

Com paragens frequentes pelo caminho e muitas obras na via o comboio ainda chegou aos 140 quilómetros-hora, anunciados com a devida pompa e circunstancia num painel electrónico da nossa era. A via férrea renova-se lentamente e as obras aqui e ali provam-no. Os comboios polacos são propriedade de empresa estatal PKP que em muitos pormenores se assemelha à nossa CP e Carris. Rumores de privatização há muito se ouvem mas até à data não passaram disso mesmo. 
Ao fim de duas horas e vinte minutos saímos na estação Warszawa Centralna construída em plena era comunista com o seu aspecto cinzento, austero e pesado onde ao subir de umas escadas nos damos de caras com outro ícone do passado e da presença soviética; o Pałac Kultury e Nauki (Palácio da Cultura e Ciência) conhecido com a abreviatura PKIN ou jocosamente entre os varsovianos mais antigos como PEKIN (Pequim). 

Inaugurado em 1955 o gigantesco edifício foi um presente da URSS aos polacos e uma amostra do poder soviético no Bloco de Leste. É ainda o edifício mais alto da capital ainda que outros arranha-céus da Varsóvia contemporânea lhe façam concorrência. Por incrível que pareça, em doze anos de Polónia, nunca tinha subido ao mesmo e ao famoso terraço e desta vez valeu a pena a espera na fila para os bilhetes e para o estreito elevador - são dois a operarem - que nos leva ao quadragésimo andar. O edifício é imponente, dir-se-ia que parece feito noutra escala com os seus pilares gigantescos, janelas enormes, escadarias impressionantes e por dentro revestido a mármore escuro com pormenores em dourado aqui e ali e candeeiros gigantescos.
Finalmente entramos no elevador onde desejamos o dzień dobry à operadora que automaticamente responde enquanto lê a revista Gala (a Caras polaca). Uma pequena ventoinha por cima do painel de controlo faz-lhe esvoaçar ligeiramente os cabelos loiros. Os tímpanos dão-nos sinal que estamos a subir bem alto e enquanto observava o monótono trabalho da operadora já estamos no terraço. 
Um luxuoso corredor central em mármore onde estava uma exposição sobre o ambiente dá acesso às portas do terraço e aos miradouros protegidos com rede, alguns têm um binóculo que por 2 złoty permite durante pouco tempo percorrer a cidade. 

A vista é esplêndida e não deixa de me ocorrer que tudo isto foi uma oferta da URSS ao povo polaco.
Se os Estalinistas pretendiam impressionar então conseguiram e ainda hoje conseguem!

José Estaline não viveu o suficiente para a inauguração e o palácio que originalmente se chamava de Palácio da Cultura e Ciência de Estaline deixou cair o nome do déspota durante a "destalinização" da URSS e por consequência do Bloco de Leste. A ideia foi do arquitecto russo Lev Rudnev e foi construído de 1953 a 1955 por mais de 3500 trabalhadores oriundos da URSS que ficaram alojados numa pequena "aldeia" feita especialmente para os mesmos. Ainda hoje podemos visitar as casas em madeira feitas para os operários e respectivas famílias que mais tarde seriam reutilizadas para residência estudantil da Universidade de Varsóvia. 
Depois dos tiroteios, bombardeamentos e fogos que arrasaram Varsóvia o que mais sobrava era terreno. Muitas das habitações anteriores à guerra não foram possíveis de reconstruir tal era o estado em que se encontravam e o extenso "quadrado" onde assenta o palácio era pouco mais do que um baldio em 1953. Toneladas de cimento e aço foram usadas para alcançar os 237 metros de altura que culminam numa "agulha" espelhada que à data da inauguração refulgia com o sol. Com o tempo instalaram-se quatro enormes relógios e procurou-se dinamizar os inúmeros espaços disponíveis. Os tempos são outros e o palácio não pode apenas viver do Estado e do dinheiro gerado pelos bilhetes e pelos escritórios.  

Acima da fileira de janelas fica o terraço com vista panorâmica para Varsóvia.


O Palácio da Cultura gera um sentimento de amor-ódio nos polacos. Ao mesmo tempo é um ícone de Varsóvia mas também o legado da presença russa na Polónia. Alguns políticos polacos mais conservadores, com ligações à Igreja Católica propuseram que se implodisse o edifício por simbolizar o comunismo e a ocupação mas o Palácio continua incólume a olhar para eles, de cima para baixo. Outros projectos se aventaram como por exemplo a construção de arranha-céus, ainda mais altos, nos terrenos contíguos ao palácio ou a transformação do Palácio da Cultura num museu ao comunismo-socialismo mas tudo não passou do papel por falta de verba ao contrário do Museu da História dos Judeus-Polacos que foi financiado pela cidade de Varsóvia e pelo Ministério da Cultura polaco.  

No terraço e apesar do Chopin que saia das colunas de som instaladas nos bancos ouviam-se conversas em polaco mas também em inglês, espanhol, francês, italiano e português e o apetite, apesar de aguçado, não nos convenceu a fazer uma refeição no restaurante ali ao lado. Descemos uma hora depois rumando em direcção à cidade velha.

O Palácio da Cultura começava a ficar para trás mas sempre a impor respeito e a relembrar-nos que apesar de estarmos numa Polónia democrática e capitalista ele é de outros tempos, de outras ideologias. Um presente não se dá de volta e tantos anos volvidos o Palácio já é no final de contas, polaco. 



1 comentário:

Ines disse...

À espera da parte II!Qualquer dia tenho que ir espreitar essa terras. Bjns