sábado, 21 de janeiro de 2012

Polónia a vulso VII


 Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
- Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...



Pode parecer mais um artigo para encher chouriços no blogue mas na realidade não é. De há duas semanas a esta parte começou a nevar com mais frequência e os termómetros baixaram para valores negativos (já chegaram aos -8) com tudo aquilo que tem de bom e de mau. Dizem-me alguns polacos que as temperaturas negativas matam germes e micróbios patogénicos que andam "no ar", dão conta de ratazanas, ratos, toupeiras, insectos rastejantes e outras pragas.

Este Inverno, como já referi no artigo anterior, é atípico e está longe - para já - de outros invernos onde chego a ter a sensação de estar dentro de uma bola de neve, esperando que ninguém a abane vigorosamente de modo a ver os flocos de neve caírem. Depois de oito anos a viver continuamente na Polónia a neve deixou de ter aquele encanto inicial que para nós, portugueses, é tão especial dadas as condições atmosféricas privilegiadas do nosso pequeno rectângulo.  Neve significa caminhos enlameados, roupas a dobrar, barrete na cabeça, luvas, cachecol, nariz frio, carros congelados pela manhã e conduzir com cautelas redobradas. 

As crianças é que estão alheias a esses pormenores; o manto branco, os flocos de neve e a promessa dos pais irem à cave buscar o trenó são motivo para considerar a invernia apenas mais uma brincadeira a juntar às outras.

O Dia da Avó


Hoje celebra-se o Dzień Babci, ou seja, o Dia da Avó. Diz a minha mãe que ser avó é ser mãe duas vezes e tenho de estar de acordo, pelo menos na parte que me toca. A avó polaca tem sido parte essencial da vida dos dois pequenos luso-polacos e a avó portuguesa (conhecida como Babcia-Avó) tem ajudado naquilo que pode e está sempre com saudades dos netos num sofrimento que só ela sabe e que só mesmo a nossa palavra saudade pode exprimir.


Já não tenho avós, nem avôs. A avó da parte da mãe morreu em 1974, antes da revolução que tanto ambicionava. Teve-me ao colo e dizem que espelhava alegria no rosto. A avó Maria que nunca conheci a não ser em velhas fotografias a preto e branco ou em outras com aquela cor avermelhada, típica das Kodak dos anos 60 e 70. 
A avó da parte do pai morreu no principio dos anos 80 e lembro-me bem dela, adorava-me apesar de uma certa distância fruto do seu carácter peculiar e das "partidas" que a vida lhe pregou. Uma avó de olhos azuis claros que me achava imensa graça, conseguia fazê-la rir. A minha avó Rosalina.



Os avós apenas conheci um. O que não conheci foi o da parte do pai. Morreu ainda jovem, em Angola, com uma peritonite. A imensidão da nossa ex-colónia e o facto de estar longe de um hospital que o operasse de urgência juntou-se à tragédia de deixar viúva uma jovem com três filhos menores . Chamava-se Adriano e foi em tempos jogador de futebol no Atlético de Luanda. Com talento para a bola, ao contrário do neto que nunca viria a conhecer e que de bola apenas sabe que é redonda... 

O avô da parte da mãe nasceu paupérrimo e pelos maus tratos que teve na infância cresceu na ilusão que o comunismo era a solução para os problemas das desigualdades sociais num Portugal governado em ditadura onde o que interessava ao comum cidadão era o trabalho e não a política. Numa das muitas reuniões clandestinas do PCP chegou a estar lado a lado com Álvaro Cunhal e conspirou dentro da medida do possível para que o regime de Oliveira Salazar caísse. Era Ernesto para a família e Pires para todos os outros. Teve de fugir da PIDE em Lisboa, algum bufo o denunciou  e ficou famosa a história do modo como conseguiu escapar aos agentes da Polícia do Estado numa carruagem de eléctrico. Tudo isto culminou com a agressão dos agentes à minha avó quando entraram de rompante na sua casa perguntando pelo marido. A fuga levou-os para Trás-os-Montes, cidade de Bragança, onde cresceram as suas cinco filhas. A revolução de Abril chegou numa altura de dor e luto e nem a queda do Muro de Berlim em 1989 o demoveria das suas convicções. Dizia que o que interessava era o ideal e não o que fizeram dele. Ernesto Ferreira, também conhecido como Pires, morreu velho, com 83 anos, em 1998. Nunca chegaria a saber que um dos seus netos vive e tem família num dos países que outrora foi parte do Bloco Soviético, nem lhe poderei dizer o que foi bom e mau na Polónia socialista mas tenho de concordar que os ideais humanistas são terreno fértil para a construção de uma sociedade justa e equilibrada. 

O despoletar de protestos no mundo virtual (esse segundo planeta Terra) devido aos projectos-lei anti-pirataria informática conhecidos como PIPA e SOPA e também o vergonhoso acordo-sombra conhecido como ACTA são porventura o retirar do pino de segurança numa granada que pode vir a explodir na mão daquele que a pretende arremessar.

O ósculo português


O ósculo português é um conhecido número de Cabaret polaco sobre um português rico que andou aos beijos com uma polaca interesseira e lá foi à sua vida. Parece que já no tempo da Revolução Industrial haviam portugueses nestas terras, nomeadamente em Łódź, uma cidade industrial e icónica da industria têxtil europeia no século XIX, mas o misterioso personagem de carteira recheada, de nome tipicamente luso, Vincento Osculati, ninguém sabe de onde veio, para que veio e para onde foi... Portanto isto de portugueses, polacas e beijos não é nada de novo e já no tempo da "Maria Cachucha" ocorria. Não há cá Don Juans de pacotilha ou Casanovas (leia-se em inglês "Kaza-nou-vas") pois a história pelos vistos é velha e os danos colaterais de amores desavindos são provavelmente proporcionais a ambos os países e sexos.

Diz a letra - Portugalczyku jak nóż bezlitosny. O português como uma faca implacável. Isto é com cada uma...





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