quarta-feira, 14 de abril de 2010

Tragédia de Smoleńsk - Viver o mesmo duas vezes

Apesar de ser em menor escala este momento que se vive na Polónia recorda-me o dia em que fiz 7 anos a 4 de Dezembro de 1980. Um dia que alguns de nós se lembram - uns melhor outros pior - como a queda em Camarate, Lisboa, do Cessna que transportava o então recém-eleito primeiro-ministro António de Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa, António Patrício Gouveia e Snu Abecassis - mais os dois pilotos.

Estávamos em família, com o bolo de aniversário já comido, quando a televisão (uma Grundig Superelectronic) a preto e branco mostrava as imagens da RTP com destroços fumarentos entre vivendas, bombeiros, polícia, moradores e curiosos num tempo em que não haviam cordões policiais ou cuidado em não filmar cadáveres carbonizados e irreconhecíveis.
O 'acidente' de Camarate em si dava um tópico - ou quiçá um blogue - mas aconselho aos leitores  o livro "O Crime de Camarate" de Ricardo Sá Fernandes para que se inteirem daquilo que é a República Portuguesa nos bastidores, dentro dos chamados aparelhos partidários, nos lobbies da justiça e nos segredos de Estado que prescrevem convenientemente. Adelino Amaro de Costa seria o homem a abater, Sá Carneiro e os restantes passageiros foram por arrasto.

A tragédia de Smoleńsk coincide com a questão de Camarate no sentido de ser um desastre de aviação. Se de início a teoria de atentado foi logo aventada depressa caiu à medida que os inquéritos iam decorrendo e as informações ficando mais claras. O Tupolev com a comitiva polaca incorreu num crime ao desrespeitar as ordens da torre de controlo russa para não aterrar no pequeno aeroporto militar que nem sistema de auxilio à navegação tinha. Diz a imprensa que Lech Kaczyński, aquando da guerra na Crimeia, teria obrigado o mesmo piloto a aterrar na capital da Geórgia apesar das ordens para não atravessarem o espaço aéreo sob pena de serem atacados. A ameaça de despedimento por parte do presidente serviu ao piloto para esquecer os procedimentos. 

Ainda não se sabe se o conteúdo da caixa negra vai ser tornado público mas entre 'conversas de café' e de ocasião há quem já esteja convencido da autoridade presidencial na decisão de aterrar o aparelho sob condições proibitivas. Ainda há de correr muita tinta sobre este assunto e a ferida ainda está aberta para se julgar quem quer que seja!

 Imagem da página online do jornal Gazeta Wyborcza

O que resta de Lech e Maria Kaczyńska estão lado a lado em caixões cobertos com a bandeira da Polónia, no castelo de Wawel em Cracóvia, hoje em dia um monumento do Estado da República da Polónia e residência do Presidente. Um magnifico castelo medieval, pejado da História de um país com mais de 1000 anos. Dos cavaleiros teutónicos, às guerras e invasões de suecos, russos, turcos, alemães, prussianos, conquistas e reconquistas...

No entanto a polémica estalou em alguns meios polacos. Para alguns os restos mortais do presidente da Polónia não devem ficar no castelo de Wawel, correspondente em certa medida aos nossos Jerónimos ou Panteão Nacional onde há também polémicas relativas a um alegado maçon do Grande Oriente Lusitano que, para alguns monárquicos, não deveria estar ali por ter estado envolvido com a Carbonária nos agitados tempos do regicídio e Primeira República.

Este próximo Domingo vários chefes-de-estado do planeta visitam a Polónia para assistirem à cerimónia fúnebre de Lech Kaczyńki e prestarem homenagem aos mortos no acidente de 10 de Abril de 2010. Entre eles estará Barack Obama, Dimitri Medvedev, Durão Barroso, o chanceler da Alemanha Angela Merkel e muitos outros.  Kaczyński foi uma figura controversa num país dividido entre gentes conservadoras e uma juventude que se mostra com outra abertura, dividida  ainda entre o tradicionalismo dos pais e avós, uma história recente de opressão e uma Europa livre onde já não há fronteiras nem arame farpado, onde já há gerações que não se lembram dos 'tempos do comunismo'. 

O falecido presidente foi eleito por o partido Lei e Justiça que simpatiza com os valores tradicionais da Igreja Católica e da Polónia conservadora. O seu funeral vai ser também uma cerimónia simbólica do poder da Santa Sé e do seu rebanho nestas terras. Kaczyński e grande parte da sua comitiva eram católicos devotos tornando este acidente em algo que, para muitos, representa a vontade de Deus em querer trazer para Ele os seus mais fiéis - como se fosse uma profecia cumprida.
Para outros será apenas um infortúnio, um erro crasso, uma massa metálica de toneladas e milhares de litros de combustível aeronáutico que transformaram em cinzas, tanto a elite polaca como também os sonhos de uma reconciliação com a História e com Katiń.

Ainda há polacos a morrerem nas florestas de Katiń 70 anos depois.

4 comentários:

Rui Vilela disse...

O meu pai disse-me que quando estava a viver no Barreiro. A sua unidade da GNR (Cavalaria em Lisboa) entrou em prevenção. Havia tiros na zona do Barreiro e gente a celebrar. Tempos de revolução.

Tu não podes ter vivido o mesmo. Tinhas 5 anos?? :)

Ricardo disse...

Nesse dia completava 7. Nasci em 1973. Recordo-me relativamente bem do dia do desastre, do rescaldo nem por isso e sim eram tempos de grandes agitacao social, especialmente em Lisboa onde os comunistas estavam em maior numero.

Rui Vilela disse...

Quando tinha 7 anos estava mais preocupado com a minha colecção de carrinhos que o desastre de Chernobyl ou outra coisa qq.

Anónimo disse...

Rui, quando se faz sete anos e nesse dia o que toda a gente fala é da morte do primeiro-ministro na queda de um avião e quando todos os anos chega esse dia, a única discussão que se levanta é a questão de atentado ou acidente, de certeza que não te esqueces mais do caso que te estragou a festa para sempre. Por isso, não deixes nunca de brincar com carrinhos, pois é sinal de que ainda podes!