sábado, 16 de janeiro de 2010

A Kolęda (visita do padre)

A Polónia talvez seja um dos últimos redutos da Igreja Católica Apostólica Romana na Europa. Fala-se de crise na Igreja, de um crescente número de (ditos) católicos não-praticantes (algo que me custa a entender - alguém conhece, por exemplo, um futebolista não praticante ou um polícia não praticante?) e também de igrejas vazias, de um número crescente de ateus e agnósticos por toda a Europa.



Na Polónia não se sente isso. As igrejas estão sempre cheias e os polacos vivem, na sua maioria, a crença em Deus e em Jesus Cristo, como Seu filho primogénito, com fervor e fé. Nossa Senhora é a Maria Królowa Polska (a rainha da Polónia) e também neste país - tal como em Portugal - goza de uma grande devoção e inúmeros templos dedicados a ela.
Prova da importância da religião Católica na vida dos polacos são, por exemplo, os imensos casamentos entre estrangeiros e cidadãs polacas serem na sua esmagadora maioria feitos numa igreja, perante um padre e, regra geral, com a necessidade do noivo ter os sacramentos necessários e documentação que prove o baptizado, a comunhão e a confissão a par do curso de formação, dado aos nubentes, pela Igreja para o casamento, vida em família dentro da tradição católica e métodos de contracepção.

Querer "fugir" da influência da Igreja neste país é praticamente impossível e tarefa ingrata. Para alguém como eu - que se pode rotular como agnóstico - essa questão não se põe.  Quando decidimos vir para a Polónia sabíamos que íamos viver com a sogra, ela está connosco e muito nos tem ajudado ao longo deste anos, não somos pessoas para abandonar os velhos quando eles mais precisam de nós. A minha sogra é católica devota e como tal cumpre com as tradições da Igreja como ir à missa aos domingos, rezar o terço, comungar e confessar-se. Coexistem dois mundos nesta casa e como tal não podemos, por uma questão de respeito, dizer não a certas tradições polacas como, por exemplo, a kolęda (visita pascal) que se efectua normalmente em Janeiro. Ontem estava agendada a kolęda para a zona onde moramos; um ou vários padres têm a árdua tarefa de calcorrear as labirínticas ruas entre prédios e subir e descer vezes sem conta vãos de escadas sem elevador.

Basicamente o padre vai abençoar a casa e a família para o novo ano, rezar um Pai Nosso e salpicar de água benta os fiéis ao que se segue uma conversa que pode ser mais ou menos longa e acaba quase sempre na oferta de dinheiro para a Igreja e também para o padre (se a aceitar). Como no ano passado a conversa descambou para uma discussão (civilizada e relativamente descontraída) sobre o porquê de não irmos à missa, não nos termos casado pela Igreja e não termos baptizado os filhos, este ano o padre (o mesmo que o ano passado) já sabia que não haveriam mudanças de opinião e não houve espaço para debate, tudo feito com grande respeito apesar de se notar alguma ansiedade no religioso - um jovem polaco de cabelos loiros e olhos azuis - a dada altura com a mão pousada na mesa a abanar e a nossa contenção nas palavras medindo cada uma delas. O ataque de choro do nosso filho -bebé de colo- ao ver o padre deu-me uma enorme vontade de me rir mas consegui manter a postura de modo a que a cerimónia prosseguisse e o padre anotasse num caderno os apontamentos relativos à família.

Obviamente que para a minha sogra estes momentos revestem-se de uma grande alegria mas também de grande tristeza por não serem partilhados; ela não consegue esconder um misto de tristeza e talvez alguma vergonha por não haver um consenso no que diz respeito a religião e ao modo como cada um interpreta Deus. Duvido que não me tivesse casado pela Igreja se isso fosse para a minha mulher um motivo suficiente para lhe causar transtornos ou conflitos com a família mas isso não aconteceu - como já escrevi noutras ocasiões.

Curiosamente temos pessoas religiosas na família; pela parte que me toca temos um Bispo Auxiliar no Porto e do lado dela uma Madre Superiora mas se do meu lado não houveram comentários e o contacto cessou, de alguns anos a esta parte, do lado dela houveram sinais de descontentamento e grande tristeza pelo nosso afastamento da Igreja. Não posso contudo deixar de louvar o lado da Igreja de Roma que me fascina e do qual tenho grande respeito - as pessoas e sua fé - a fé genuína, a boa aventurança, o amor ao próximo e a compaixão. Aquele padre independentemente das suas convicções serem diferentes das minhas calcorreou horas a fio ruas geladas, vãos de escadas cansativos, desabafos, conversas de todo o tipo e com toda a certeza não pode recusar ofertas insistentes de comida ou de um chá - algo tipicamente polaco e que todos os portugueses que conhecem a Polónia e os polacos sabem - kawa czy herbata? (café ou chá?)

E assim foi a kolęda este ano. O padre foi breve, perguntou-me se tinha obtido progressos na aprendizagem da língua polaca, quantos idiomas falo, se os meninos já obtiveram os sacramentos e depois de anotar tudo no tal caderninho convidou-nos muito educadamente a irmos um dia qualquer deste ou do próximo mês à igreja para celebrar algo relacionado com uma celebração Mariana; deixou-nos como oferta um postal com a imagem da Nossa Senhora de Częstochowa (a virgem negra) e um calendário da paróquia de Bałuty.

Dziękujemy.


5 comentários:

Anónimo disse...

É melhor escreveres ´koleda´ :)
Um blogue interessante, vou voltar. Aga

Ricardo disse...

Muito obrigado Aga! Espero que continues a visitar o meu blogue e a escrever tão bem o idioma português!

Já corrigi a minha "głupota". Dziękuję!

João Tavares disse...

Olá Ricardo, sou católico dos tais "não praticantes" lol para mim igreja? Só em Casamentos e Baptizados... posso dizer que cresci numa família católica mas também não praticante, Já a família da minha namorada é como esses ditos 98% de polacos católicos.

E com isso já tive a oportunidade de presenciar algumas das tradições polacas, tal como essa visita do padre após o Natal e também quando o padre mais uma vez passa na Páscoa abençoa e escreve a data da sua passagem na ombreira da porta com giz, e na tradição da "missa do Galo" à 00.00 da noite de 24 para 25, e a constante ida à missa mesmo durante a semana.

Da parte da minha namorada só a avó é mais apegada aos costumes e a ida à missa diária etc... já a minha namorada o irmão e a mãe nem por isso, talvez mais o pai.

Mas já não terei esse problema caso eu lá esteja numa próxima visita do padre, talvez a pergunta seja o porquê de não ter o ultimo sacramento antes do casamento lol

Paulo Soska Oliveira disse...

E quanto é que o padre levou no envelope que a tua sogra lhe deu?

Ricardo disse...

Abraço João.

Paulo

Nem me dei ao trabalho de perguntar. Não sai do meu bolso não quero saber mas não deve ter sido nada de extraordinário.