domingo, 31 de dezembro de 2023

Caleidoscópio - Polónia 2023

Como areia a fugir entre os dedos mais um ano passou e a passos largos caminhamos para o meio da década dos anos vinte do século XXI. 


2023 foi um ano de mudanças na Polónia, o ano que viu oito anos de governo do partido Lei e Justiça (PiS) chegarem a um possível fim, digo 'possível' porque nada é certo depois de tensões nunca antes vistas no 'Sejm' polaco com a decisão de uma coligação do partido mais votado da oposição, o PO, ou Plataforma do Cidadão liderado por Donald Tusk com todos os outros partidos exceto o dito ultra-nacionalista Konfederacja que, também esse, apesar de não se coligar acabou por rejeitar qualquer associação com o PiS de Jarosław Kaczyński. 

Após semanas e suspense digno de um filme de Alfred Hitchcock o governo de coligação formado por Tusk foi finalmente validado por o Presidente Duda apesar da vitória do PiS por 33.5 pontos percentuais. 
 
O voto de confiança necessário para que o PiS formasse governo, ainda que sem maioria, não foi dado por o resto dos partidos com assento parlamentar e o presidente Andrzej Duda acabaria por aceitar o novo plano de governo de Tusk entre virulentas acusações de Kaczyński - ditas em plenário e "à cara podre" - de que Donald Tusk é um "agente alemão" e que a coligação irá afundar a Polónia em total obediência à Alemanha. 

Um tiro no pé?

A União Europeia tinha alertado a Polónia do governo conservador sobre a liberdade de imprensa, sobretudo nos meios de comunicação social estatais como o canal público TVP (homólogo da nossa RTP) entre outras políticas contrárias àquelas da UE como os direitos das mulheres, a questão das mudanças na constituição da República da Polónia e a nomeação de juízes favorecedores do PiS para o supremo tribunal. 
Estes alertas custaram à Polónia biliões de Euros em apoios comunitários, especialmente aqueles que seriam atribuídos durante e após a pandemia. Com o governo de Tusk seriam finalmente libertados e tudo começava a entrar nos eixos até ao dia em que o recém formado governo decidiu fazer uma purga nos estúdios da TVP - o canal estatal que se tornou numa máquina de propaganda do governo, ventilando tudo o que favorecia a agenda do PiS e fazendo tábua-rasa do princípio de imparcialidade do jornalismo. 

Jarosław Kaczyński foi tirar satisfações com as forças policiais que encerraram os estúdios da TVP Info em Varsóvia. Pouco depois seria o ex-primeiro-ministro, Mateusz Morawiecki a "dar com os burrinhos na água". Seguiram-se manifestações de protesto e forte oposição a esta purga.

Foi nesta expectativa de desmantelamento do canal estatal e típica "dança das cadeiras" que o imprevisto aconteceu. A polícia foi chamada para remover dos estúdios a gerência ligada ao PiS. O acontecimento foi tão brusco que a emissão de um dos canais noticiosos da TVP Info foi mesmo interrompido abruptamente e o momento filmado e divulgado, curiosamente, por um luso-descendente, Samuel Pereira, então o vice-diretor do canal TVP Info, o qual seria posteriormente saneado a 20 de Dezembro. 

A situação política está longe da estabilidade, o PiS não pretende abdicar de formar governo e procura por todos os meios invalidar o governo de coligação de modo a convocar eleições legislativas, o chumbo do orçamento de Estado pela mão de Duda poderá ditar novas eleições em 2024. O futuro dirá se não trará mais surpresas... Por hoje e algo não visto há mais de dez anos o Primeiro-Ministro Tusk irá discursar a mensagem de ano-novo no canal estatal. 

Entretanto aqui ao lado continua a guerra na Ucrânia com um elevado custo humano para os ucranianos e notória tensão nas fronteiras Leste da Polónia, dos estados bálticos e agora na extensa fronteira da Finlândia com a Federação Russa.
Décadas de Pax Americana, de dependência militar e relaxamento absoluto, ao ponto de quase negligência, das forças armadas europeias levou a uma apressada reorganização da NATO e à questão que aparentemente ninguém quer ver discutida (excepto Macron) do que realmente é a Europa sem o guarda-chuva dos EUA. Qual a real capacidade de retaliação, de resposta e de preparação da UE face à ameaça da Rússia e também a total ineficácia da defesa das fronteiras externas a ataques híbridos com refugiados e migrantes económicos, como se tem visto na fronteira com a Bielorrússia, com a Estónia, Letónia e Lituânia e agora também na Finlândia, Itália e Mediterrâneo. 

O Jubileu 

Este ano de 2023 marcou também o meu cinquentenário, parece mentira que rolaram cinco décadas, cinquenta passagens de ano desde o meu nascimento numa tarde de Dezembro lisboeta, no agora longínquo ano de 1973. As mudanças no semblante, no corpo, o cabelo a ficar grisalho, aquelas dores nas costas ou algures que já nem fazemos caso estão lá e a mente, essa, não acompanha e parece não entender quem é essa pessoa no espelho. 

Pertenço a uma geração privilegiada que nasceu antes da era informática, da Internet, uma geração que cresceu a brincar nas ruas e a esfolar joelhos entre televisão a preto e branco, o telefone de discar, os carros com pára-choques cromados e a cheirar a gasolina com chumbo mal queimada, a cassette e o rádio Solid State, as calças boca-de-sino, os adultos de patilhas e o omnipresente fumo do cigarro. Dos anos 70 foi um pulo para a década de 80 com um Portugal a descobrir-se e a modificar-se entre os escombros de uma longa ditadura e o surgimento de novas liberdades e direitos. Uma década que viu a adesão à então CEE no ano de 1986 e a um desenvolvimento económico nunca visto em décadas anteriores em paralelo com o cada vez mais presente computador pessoal. Foi um final de década agitado e, sem saber,  o início da minha aventura polaca, a Era Socialista-Comunista chegava ao fim na Polónia com as conferências da mesa redonda e por fim na RDA com a emblemática demolição do muro de Berlim e em efeito dominó a todos os países do Pacto de Varsóvia. 

Lech Wałęsa marca o início da República da Polónia e o desmantelamento da República Popular e subserviência à URSS.

Entrámos nos anos 90 com os carros a serem fabricados para baterem e salvarem vidas, o airbag é uma nova palavra no vocabulário junto com outra, o crash-test. O vinil e a cassette dão lugar ao Compact Disc e ao DVD e CD-Rom, ao surgimento de algo que prometia um mundo em comunicação e partilha de informação, falava-se de uma Aldeia Global com a Internet, ligavamos com um "modem" em grande ruído e custo por minuto, ainda não havia o Google mas sim o Yahoo, o Windows e Office eram novidade e guardava-se tudo em disquetes - as nuvens ainda só existiam no céu. Foi uma década que viu uma transição entre o mundo analógico para o digital e a popularização do telemóvel que no português do Brasil foi denominado de celular. Daí para a mudança de século foi um piscar de olhos, dos telemóveis arcaicos e do SMS e MMS passámos para o "Smartphone", para a era das redes sociais, do YouTube, dos termos influencer, YouTuber e sem darmos conta a disquete e o compact disc eram já dinossauros informáticos. Agora guarda-se tudo numa nuvem, a música que durante décadas alimentou a indústria discográfica está ao alcance de um clique a poucos segundos e gratuitamente. É a era da rapidez e da nostalgia do vagar e da privacidade, da genialidade e da estupidez, da vaidade ou do desprendimento, do exibicionismo e da timidez, dos pronomes, do pró e do anti... Tudo é debatido, demonstrado, lutado ou derrotado e resumido a um provérbio: Em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão. Agora a avançar nos anos vinte surge a Inteligência Artificial a prometer mais uma revolução e mudanças profundas na sociedade, economia e modo de vida das populações. O progresso é assim, progride...

E assim desejo a todos os leitores e amigos um excelente 2024 cheio de paz para o mundo (bem precisamos!).







Sem comentários: