sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Caleidoscópio - Polónia 2018



2018 chega ao fim e, a passos largos, caminhamos para o fim de mais  uma década, os anos 20 estão aí à porta, sem a revolução do Jazz como no século passado mas certamente atribulados. Na Polónia o ano foi abundante em batalhas políticas e na continuidade da "PiSificação" do país no ano em que se celebrou o centenário da independência no final da I Grande Guerra em 1918, uma data "redonda", celebrada com pompa e circunstância mas onde faltou a presença de uma conhecida figura da Polónia moderna, Lech Wałęsa, o arqui-rival de um dos homens mais odiados (mas também amado por alguns) da Polónia, Jarosław Kaczyński. Resta pois um ano para as eleições do "Sejm" polaco em Novembro de 2019 que se prevêm serem pouco favoráveis aos conservadores depois da derrota do PiS nas autárquicas, sobretudo nas grandes áreas urbanas.


Campos de concentração polacos é algo que não se deve dizer na Polónia sem consequências legais depois de aprovada uma lei para penalizar - e alegadamente repor a verdade histórica - a quem não menciona que os ditos foram alemães, construídos durante a ocupação do território pelas forças do Terceiro Reich. A lei e a interpretação toca também todos os que insinuarem ou afirmarem que os polacos tiveram cumplicidade ou participação ativa no extermínio dos judeus durante os anos da guerra o que obviamente se reveste de uma grande polémica pela questão dos "Pogrom" ou "caça aos judeus" que envolveu não apenas os invasores mas também os nativos da Polónia e da Ucrânia, na altura URSS. Uma questão abordada pelo autor português João Pinto Coelho no romance Os Loucos da Rua Mazur, o qual foi criticado veementemente  nalguns círculos polacos inclusivamente pelo embaixador da Polónia em Portugal.

O calendário de "proibição" ao comércio aos domingos - com a cruz os dias em que o mesmo está encerrado.


Na senda da "PiSificação" do país e da cada vez mais etérea separação dos poderes do Estado e da Igreja, o comércio passou a ser proibido (dizem regulado) aos Domingos. Num mês abre uma ou duas vezes consoante o calendário estabelecido ainda que as lojas de venda de álcool e algumas cadeias de lojas de conveniência - como o Żabka - abram nesses dias.
O domingo é dia santo e de descanso para os católicos e a Igreja parece ter ficado satisfeita com a decisão do governo - ainda que o mundo não tenha terminado, apesar dos protestos dos patrões e da maior movimentação nas grandes superfícies e supermercados ao sábado nas vésperas dos domingos de encerramento do comércio.
Pessoalmente tive de ir ao tal Żabka num domingo, numa ocasião por não  ter mais açúcar e noutra porque se me acabou o sal...

E à medida que o Inverno - pouco castigador em 2018 - chegava ao fim o governo anunciava a inauguração do monumento às vítimas do desastre de Smolensk em 2010, mesmo ao lado do túmulo ao soldado desconhecido na Praça Józef Piłsudski, no coração da capital, Varsóvia. O monumento apresenta-se como umas escadas a evocar as escadas de acesso ao Tupolev presidencial e, claro está, as que levam ao céu. Pouco depois colocaram ao lado deste uma estátua a Lech Kaczyński, falecido no desastre de Smoleńsk, o que causou, mais uma vez, polémica e o desagrado com comparações ao culto da personalidade das dinastias coreanas ou mesmo de líderes dos odiados comunistas como Nicolae Ceausescu, Estaline ou Lenine. Aliás é de assinalar a proliferação de estátuas ao falecido, que o actual presidente comparou a uma das maiores figuras da história da Polónia depois do Marechal Piłsudski (sic). Recentemente uma foi inaugurada uma no coração do Solidariedade (e cidade onde  reside Wałęsa) em Gdańsk.


Lech Kaczyński e a primeira-dama da Polónia jazem em Wawel - correspondente ao Panteão Nacional português ou Panteão da Pátria no Brasil - o que causou indignação em muitos círculos intelectuais e da oposição e, a adicionar a esta tensão,  dois novos monumentos são erigidos mesmo ao lado do memorial ao soldado desconhecido, um ao desastre de Smolensk em 2010 e outro, mais recente, ao falecido presidente que, de mão no peito comtempla o memorial dedicado ao evento que o partido PiS considera como um complô da Rússia para liquidar a liderança da Polónia enquanto para outros terá sido a atitude do próprio Kaczyński a contribuir para o trágico desfecho do que seria um dia de celebração e homenagem às vítimas das execuções de Smolenk durante a II Grande Guerra. 


Em Abril o novo Acordo do Supremo Tribunal entra em vigor estabelecendo que sob decisão presidencial os juízes passam automaticamente à reforma (aos 65 anos) excepto aqueles apontados pelo presidente eleito. Uma medida que em quase trinta anos de Democracia não tinha sido tomada.
O Supremo Tribunal de Justiça é um dos pilares do sistema democrático polaco no entanto, Kaczyński e o seu partido, estavam determinados em mudar o rumo da História e ficarem na mesma ao "limparem" o sistema de alegados resquícios perniciosos dos tempos da República Popular da Polónia ou PRL (Polska Rzeczpospolita Ludowa) nem que para isso tivessem de modificar a constituição o que foi considerado pela oposição como anti-democrático, caça às bruxas e paranóia do cabecilha do partido cuja reputação parece andar pelas ruas da amargura e sofrer de alegada oposição interna apesar de nos média estatais a imagem deste e do seu falecido irmão serem frequentemente exaltadas quer na sua influência para o colapso do comunismo e fundação do Sindicato Livre Solidariedade quer na modernização e futuro da Polónia na UE e no mundo, nas noticias, em debates políticos e em documentários "à la carte" nos meios de comunicação estatais e naqueles filiados aos conservadores e religiosos...

O símbolo da defesa da constituição (Konstytucja) que Wałęsa mostrou numa t-shirt durante o mediático e algo patético processo judicial levantado por Jarosław Kaczyński contra o mítico e nobelizado sindicalista.



Tal como mencionado no post anterior deste blogue celebraram-se os 100 anos da independência da Polónia depois de 123 anos onde literalmente desapareceu do mapa da Europa. A ocasião foi celebrada com pompa e circunstância e o evento organizado em Varsóvia, no Estádio Nacional, entre símbolos patrióticos, canções da guerra e de independência, o hino nacional e menções a figuras de craveira da mesma como o Marechal Piłsudski e a importância do Exército Nacional (Armia Błękitna ou Armada Cerúlea) na libertação dos polacos do jugo Soviético, Austro-Húngaro e Alemão. Entre as centenas de convidados ao evento faltou o legendário líder do Sindicato Livre Solidariedade, Lech Walesa, já com idade avançada (75 anos) mas sem deixar de manifestar a sua opinião - nos média da oposição - contra o PiS e Kaczyński ao ponto de ser inclusivamente levado a tribunal por este...

Wałęsa e Kaczyński em tribunal depois de sucessivos adiamentos




Wałęsa, o electricista de Gdańsk como ele próprio se intitula, nunca foi diplomático, suave ou até consequente quando toca a dizer aquilo que pensa, não é malcriado no sentido de usar o abundante vernáculo polaco - não temos chance de competir com eles no nosso idioma - mas está-se literalmente nas tintas para o politicamente correto e tem mesmo prazer em "partir a loiça"...

E assim foi quando compareceu no tribunal de Gdańsk para responder a Kaczyński pelas alegadas ofensas à memória do seu falecido irmão. Wałęsa afirmou publicamente, no Facebook, aquilo que pensava (e que muitos pensam) sobre os acontecimentos de Smolensk e das responsabilidades na queda da aeronave em território russo. Para ele (Wałęsa) o acidente foi provocado pela atitude petulante dos irmãos gémeos - Lech  teria sido instigado pelo irmão Jarosław - em aterrar o avião e a comitiva a qualquer custo em condições atmosféricas precárias; afirmando ainda que Jarosław Kaczyński é mentalmente desequilibrado e que teve papel fundamental na alegada insinuação que Wałęsa, no cárcere, durante os anos do comunismo, foi forçado a assinar um papel no qual passaria a ter cooperação - ser bufo - com as autoridades da República Popular da Polónia e que alegadamente Kaczyński estaria por trás disto para tramar o sindicalista e afastá-lo dos destinos do Solidarność ou Solidariedade.

30,000 PLN ou 7,000€ foi o montante pedido pelas ofensas pessoais ao que Wałęsa respondeu na entrada do tribunal,  no seu típico estilo bonacheirão, sorrindo e envergando uma t-shirt onde se lia "Konstytucja" (Constituição), claramente provocando o líder do PiS, apoiado por seguidores que vociveravam "Lech Wałęsa! Lech Wałęsa! Lech Wałęsa!" enquanto Jarosław, visivelmente agastado, pedia à polícia para levar dali para fora os "arruaceiros que ali estavam para perturbar os trabalhos do tribunal". 

A decisão foi finalmente tomada em Dezembro: Wałęsa não tem de pagar os 30,000 Złoty (seriam dados à caridade) mas terá de pedir desculpas a Kaczyński, oficialmente, na página do Facebook, afixado durante 7 dias em negrito com fundo uniforme (sic), no Newsweek Polska e no Gazeta Wyborcza - média da oposição - numa página afastada de qualquer outra publicação e lido por Wałęsa na Radio TOK FM.

Kaczyński pode esperar sentado...

O presidente da Polónia, Andrzej Duda, visita a Casa Branca 

2 biliões de dólares para assegurar a presença norte-americana em território da Polónia ou na fronteira Leste da NATO, e uma base militar a ser construida brevemente com o nome "Fort Trump", sim, leu bem, Forte Trump!, foi a oferta de Andrzej Duda, na sua visita aos EUA. Esta decisão, impopular na Polónia, onde este valor é absolutamente escandaloso num país ainda com carências enormes nas áreas da saúde, do meio-ambiente, de infraestruturas (apesar de grandes progressos nos últimos dez anos) e onde o salário mínimo são 480 euros. 

Com a Rússia a modernizar o seu exército ultrapassando a tecnologia norte-americana na questão dos mísseis nucleares inter-continentais, afirmando-se como o grande  opositor destemido dos EUA e da NATO, a China com um exército imenso e bem preparado e uma forte importância e influência política e militar na Ásia e a liga-árabe a mostrar claros sinais de descontentamento com os EUA depois destes aprovarem a mudança da sua embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém a Polónia tenciona também ter um papel fundamental na NATO e não estar sozinha na defesa das suas fronteiras e dos limites da Aliança Atlântica a Leste do continente europeu. O enclave de Kaliningrad - a Norte da Polónia e a Oeste da Lituânia - é território da Federação Russa e ali, no mar Báltico, as tensões são crescentes com manobras militares de parte a parte, demonstrações de poderio e acusações mútuas de provocação e necessidade de defesa perante um potencial ataque.
Uma nova Guerra-Fria avizinha-se com a nuance de, desta vez, termos no tabuleiro a China que se mostra mais próxima da política da Federação Russa e como moderador privilegiado nos potenciais conflitos na Península Coreana e região Ásia-Pacífico. 


A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas em Katowice

Estranhamente, ou não, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas teve no lugar na capital do carvão e capital da região da Silésia, a poucas centenas de quilómetros da República Checa e da Eslováquia. A Polónia é um dos maiores extratores de carvão da Europa e grande parte do aquecimento doméstico e da água quente que corre nas torneiras dos lares polacos, cerca de 80%, provem de centrais hidroeléctricas que consumem este recurso energético para o seu funcionamento. É um lobby poderosíssimo, praticamente intocável, que não pode, por motivos óbvios, ceder às pretendidas e mais do que necessárias, transições para novas formas de energia. O carvão polui o ambiente e o país tem uma qualidade do ar muito baixa em comparação com outros países europeus, um assunto quase tabu mas cada vez mais discutido levando à consciencialização deste problema em partes da população que até há bem pouco tempo nem se tinham apercebido da gravidade da situação apesar do governo atual não manifestar interesse em mudar as mentalidades por questões políticas. 

Na conferência quatro países não alinharam com a agenda para a transição energética, os Estados Unidos, a Federação Russa, a Arábia Saudita e o Kuwait. Mais poderia escrever sobre este assunto mas finalizo com o discurso de Greta Thunberg, uma ativista sueca de 15 anos, que restaura a fé na humanidade num momento em que parece perdida e que nos faz refletir sob se realmente não chegou o momento de puxar o freio de emergência...











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