terça-feira, 11 de janeiro de 2011

WOŚP - Uma história que merece ser contada!



Há coisas boas na Polónia, há atitudes que me fazem sentir orgulhoso deste povo que me acolheu e do qual já não me posso desligar. Desde 1993 que no primeiro ou segundo Domingo de Janeiro se organiza uma acção caritativa chamada de Wielka Orkiestra Świątecznej Pomocy o que em português se pode traduzir como Grande Orquestra de Caridade Natalícia. Foi uma ideia de um polaco irreverente, estilo hippie flower power, de nome Jerzy Owsiak juntamente com Lidia Niedźwiedzka-Owsiak (sua mulher e médica), Bohdan Maruszewski e Piotr Burczyński.

A Wielka Orkiestra foi, há 19 anos, uma verdadeira pedrada no charco. Em 1993 a Polónia era um país recentemente saído de décadas de Comunismo, das regras da URSS e onde a Igreja Católica voltava a todo o seu esplendor e poder, de mão dada com o sindicato livre Solidariedade. Num ápice os polacos podiam descobrir e redescobrir um novo mundo, as delicias que o capitalismo e o Ocidente já consideravam um dado adquirido mas que neste lado da Europa eram praticamente impossíveis de obter. A revolução proporcionada pelo colapso do Comunismo foi uma nova ordem mundial para o planeta mas também a nível de mentalidades. 

Jerzey Owsiak costuma aparecer com os seus óculos redondos de aros coloridos e consegue passar um dia inteiro a falar ao microfone e a gritar os resultados da campanha, no fim do dia a voz rouca revela o cansaço e o esforço da jornada.
Owsiak pertencia a uma parte da juventude polaca que se marcava pela sua irreverencia, pela diferença e pela atitude, os rebeldes para o regime do General Jaruzelski e ovelhas tresmalhadas para a Igreja. Imaginemos um mundo onde o cinzento era a regra; nos edifícios, nos automóveis, nas publicações, no cinzentismo das repartições publicas, nos funcionários públicos e nos membros do partido - nas reacções e nas relações humanas - em quem se podia realmente confiar? 
Como não seria difícil fazer a diferença com a música, com a dança, com uma mentalidade aberta e laissez faire num meio eminentemente conservador e resignado, num poder hostil à mudança. Jerzy e outros polacos fizeram essa diferença com a música e com a sua indumentaria, com o simples facto de serem os peões coloridos num tabuleiro de xadrez, viciado e desbotado. Os Estados Unidos da América eram o ícone, a referencia da liberdade, fruto de uma relação muito especial entre os polacos e este país onde têm uma extensa comunidade e até bairros e ruas com nomes polacos - como em Chicago.

A Direita conservadora, os velhos do Restelo (de Varsóvia), a Igreja e os que agora apregoavam a liberdade não receberam de braços abertos a iniciativa da WOŚP, na realidade opuseram-se a acções de caridade feitas por alguém exterior a qualquer instituição publica e à Igreja. A contrapartida era simples; uma moeda em troco de um pequeno coração em autocolante para levar na lapela. O dinheiro reverteria para acções de caridade em hospitais polacos - sobretudo na cura e tratamento de crianças, seriam compradas máquinas e equipamento e desse modo suprimir as limitações do esmiuçado orçamento para a saúde publica. Em 18 anos de actividade foram obtidos mais de 100 milhões de dólares em contribuições que vão desde o comum cidadão a empresas e corporações (este ano os supermercados LIDL contribuíram com 500.000 PLN) e o facto é que os hospitais pediátricos  e as maternidades na Polónia estão bem equipadas, pude-o constatar quando nasceram os meus dois luso-polacos.

 Obviamente que ainda há muita água a correr debaixo de ponte mas tudo isto foi obtido graças ao voluntariado e num processo transparente que livra Jerzy Owsiak de quaisquer acusações de enriquecimento ilícito - propriamente investigadas por uma imprensa avida de escândalos e alimentada por opositores entre os quais o padre Rydzyk (detentor da Radio Maryja e do canal TRWAM) com o qual  Jerzy manteve contendas ao longo de vários anos.

No passado Domingo fui, pela primeira vez, a um concerto do WOŚP, que em Łódź teve lugar no centro comercial Manufaktura. É de facto impressionante a multidão e a espontaneidade na doação de dinheiro. Na praça principal do centro comercial um grupo musical tocava enquanto os vendedores de banha da cobra vendiam orelhas de coelho electrónicas, espadas coloridas de Darth Vader e demais bric-a-brac. O parque de diversões estava devidamente montado com os divertimentos que permitem ficarmos com a cabeça para baixo enquanto rodamos para a esquerda e para direita a alta velocidade num circulo que não experimentei pois nunca sei se algum bêbado mal-disposto não decide esvaziar o estômago e pintar tudo à pistola...

O exército polaco estava presente não para controlar a multidão mas para exibir algum do equipamento que usaram no Iraque, lá estava um Hummer com a bandeira bi-color de um lado e a star and stripes do outro, um velho blindado e um camião a par com algum material material de guerra. Os soldados (e soldadas) estavam equipados do mesmo modo que os vemos na televisão, com colete à prova de bala, granadas, e metralhadora (foi a primeira vez que vi uma AK47 ao vivo). Num recanto, um enorme coração dourado, feito com moedas de groszy (centavos da moeda polaca) reluzia e crescia ao mesmo tempo que se ouvia o tilintar e se sentia no ar o cheiro a pipocas e algodão-doce. Tudo culminou com uma sessão de fogo-de-artificio antes da contagem do dinheiro angariado por cada cidade e a soma total.

Uma história de solidariedade social e voluntariado que merece ser contada e conhecida no nosso país.




 






3 comentários:

Geraldo Geraldes disse...

É uma iniciativa que merece todo o apoio e aplauso. Até me lembro de quando fui a Dublin, ver em minimercados polacos posters onde estava lá o símbolo da Wielka Orc.

Janusz disse...

pois... para nos polacos o primeiro fim de semana do ano, ja desde 19 anos, e um tempo especial...

Um artigo muito interessante, obrigado :)

Anónimo disse...

Sempre bem escrito e com alma.
Bem hajas por seres assim.