sábado, 22 de maio de 2010

Saudades do fascismo e do comunismo

Ainda há quem diga „Volta Salazar que estás perdoado!”. Leio-o amiúde em comentários de leitores do Correio da Manhã, em fóruns na Internet e em conversas de circunstância com portugueses. E que tal se deixassem os ossos de Oliveira Salazar em paz? Certo que o estado a que chegou o nosso país em 35 anos de Democracia e 25 de UE leva qualquer cidadão ao desespero mas esse saudosismo por os “tempos da outra senhora” não merecem grandes comentários. Na Polónia ainda não ouvi ninguém dizer “Volta Jaruzelski que estás perdoado”.



O Comunismo e a era da chamada PRL (República Popular da Polónia) podem trazer sentimentos nostálgicos aos polacos, sobretudo por os momentos que se passavam em família, sem o stress de hoje em dia com o trânsito caótico nas grandes cidades e nas estradas nacionais ou a possibilidade de se fazer turismo interno sem as custos absurdos que, por exemplo, umas férias no Báltico podem ter.

Depois do final da II Guerra Mundial a Polónia era um país destruído com uma capital reduzida a escombros. A URSS foi o grande libertador e o Comunismo soviético afigurava-se como o caminho necessário e natural para a reconstrução. Russos e polacos são povos eslavos, têm mais em comum do que com alemães, franceses ou escandinavos. Os anos quarenta e sessenta cimentaram a ideia do pan-eslavismo, da cooperação e ajuda mútua entre os países do Comintern e do Pacto de Varsóvia, foram anos de grandes projectos onde se inclui o Palácio da Cultura em Varsóvia e a construção de grande parte da rede viária e ferroviária polaca.

Nos anos sessenta e setenta construiram-se prédios e blocos de apartamentos para as familias polacas. Eram andares atribuidos consoante o tamanho do agregado familiar, com longas listas de espera e entregues quase por acabar com paredes rugosas e portas por colocar – muitas vezes uma artimanha para alguém fazer esse serviço em horas livres. Muitos desses prédios e vizinhanças ainda subsistem, alguns verdadeiras colmeias com blocos gigantescos de oito ou mais andares; outros são prédios com quatro andares e um rés-do-chão com um pequeno quintal onde por vezes crescem arbustos e árvores de fruto ( no Verão há quem tome banhos de sol na relva). A indústria automóvel florescia com os acordos assinados com a Fiat e muitas familias polacas acedem pela primeira vez ao ambicionado automóvel com a divulgação do pequeno modelo 126P e Polonez das fabricas FSM e FSO.

O cinema polaco no final dos anos setenta e anos oitenta já não tratava o regime com subtileza ou metaforicamente – filmes como Rejs, Miś e Seksmisja retratam bem a podridão do Comunismo e ridiculariza um sistema que só no final da década caíria de podre. Em 1989 a Polónia deixa de ser mais um país satélite da URSS. O Mercado-livre e o capitalismo – com uma adoração especial aos EUA – tem aqui terreno fértil e fazem esquecer rapidamente as décadas de escassez de bens e das filas para a ração com as senhas.


O regime dictatorial de António de Oliveira Salazar teve presos políticos, leis austeras e absurdas, andou sempre de mão dada com o clero tendo o Cardeal Cerejeira papel fulcral. Fomos um país ‘orgulhosamente só’, pediram-nos para comprar vinho para podermos dar pão a um milhão de portugueses, obrigaram os estudantes a fumarem ‘debaixo de telha’ para protegerem a companhia nacional de fósforos, mantivemos colónias em África e na Ásia, passamos por uma Guerra colonial e acabamos sem nada, sem colónias, sem dinheiro, sem império, sem Rei nem Roque. Quase estivemos em Guerra Civil depois da revolução de 1974 e assistimos a nacionalizações que durariam pouco mais de 20 anos. Estamos há mais de 25 anos na UE e há quase dez anos na moeda única; fala-se de crise, de Portugal como uma nova Grécia mas vive-se bem melhor que nos tempos de uma sardinha para uma familia.

Na Polónia vive-se melhor também, não há sequer comparação. Tenho muitas vezes uma sensação de déjà-vue com os polacos. Vêem-se muitos carros topo-de-gama e o mercado imobiliário parece continuar uma bolha como antes da crise economica, a recordarem-me o Portugal em finais dos anos 80 e principio dos anos 90. As novas gerações já não se lembram do que são senhas de ração, de só haverem alguns Fiats, Polonez e camiões na rua. Sabem o que foram esses tempos tal como eu, só porque lhes contaram tal como me contaram sobre os tempos de um Portugal em que um beijo dado em público era suficiente para uma repreensão ou onde mais de duas pessoas a conversar na via pública era um ajuntamento.

2 comentários:

Anónimo disse...

...um Portugal onde era necessária licença de porte de isqueiro mas -maravilha das maravilhas, que pena não ser agora!.. - em compensação levava-se multa por cuspir no chão.

Bjn, Ricardo!

Inês PL

Geraldo Geraldes disse...

Tudo o que o Salazar fez após a II GG foi uma enormíssima cagada. Um saldo francamente negativo, sendo uma das coisas piores a (ainda maior) estupidificação do povo.
Mas não chego ao ponto de dizer que tenho saudades (porque nem sequer era vivo), mas o ponto em que estamos agora é muito comparável a 1926.
A diferença é que em vez de vir um tipo das Beiras, entregámos o nosso destino a estrangeiros, pois está mais do que visto que não nos sabemos controlar financeira e economicamente.